Uma paródia
É fatal: periodicamente, Passos Coelho faz prova de vida, arranjam-lhe um sítio para dizer coisas e agora o homem não pára, com o pretexto das candidaturas autárquicas.
De bandeirinha ao peito – o seu eterno emblema de «primeiro-ministro no exílio» –, falou e disse, algures a Norte: «E acham estas pessoas no Governo que podem estar a governar como se fossem impunes, sem darem uma explicação ao País, sem se retratarem, acusam os outros sem fundamento»... e por aí fora.
Descontando o enrodilhado semântico e sintáctico do costume, Passos fala ao espelho, autodescreve a sua governança passada com curiosa exactidão e finge não dar por isso, o que denuncia uma inesperada consciência: afinal, o homem sabia o mal que estava a fazer, apenas não queria saber e tinha raiva a quem soubesse, pormenor da sua personalidade que o País já conhece sobejamente, é claro.
Com a inconsciência dos populistas, Passos fala dos que governam «como se fossem impunes» não acreditando nisso e desprezando o seu próprio «saber de experiência feito» nessa matéria.
Na verdade, foi o facto de ter governado «como se fosse impune» que ditou a queda e o afastamento do poder de Passos Coelho. Não ter consciência disso – ao menos, não ter meditado ainda sobre isso – revela uma tacanhez política a quadrar bem com a personagem.
De resto, nada disto surpreende, conhecendo-se o percurso político e governativo deste ainda líder do «maior partido da oposição».
Fruto completo de uma «jota», Passos Coelho fez o caminho das pedras da JSD, foi o seu mais vetusto líder, «tirou cursos» até aos 37 anos, altura em que finalmente desencantou uma licenciatura, teve uma «experiência em gestão» numa coisa chamada Tecnoforma, uma nebulosa empresa que metia Miguel Relvas e fundos comunitários e, finalmente, chegou ao poder no PSD e no governo.
Como governante, foi o descalabro que se sabe. Partindo de uma visão que pretendia erradicar o Portugal de Abril da realidade portuguesa, não apenas assumiu o programa da troika como seu, como também declarou que iria «além da troika» na implementação do programa, impondo ao País a mais brutal regressão em direitos sociais e laborais, aplicando o «mais brutal aumento de impostos» sobre quem trabalha, o corte profundo de salários e pensões e a degradação generalizada da Saúde, do Ensino, da Segurança Social, da Justiça e da Função Pública em geral.
Agora, quase ano e meio após ter sido afastado do poder, «sem dar uma explicação ao País, sem se retratar», Passos Coelho passou da promessa da iminente «vinda do diabo» à reivindicação dos sucessos por aí propalados em relação a dados económicos no País, «acusando os outros sem fundamento», porque nada do que acusa a actual governação tem sentido ou fundamento.
Este homem já é uma paródia.