Museus Nacionais e alargamento do livre acesso

Ana Mesquita

A cul­tura de um país é um ele­mento cen­tral da sua iden­ti­dade, da sua pers­pec­tiva de de­sen­vol­vi­mento e da afir­mação do pro­ta­go­nismo his­tó­rico do seu povo. O ca­minho entre os tra­ba­lha­dores e as po­pu­la­ções e toda a cul­tura tem de passar pela res­pon­sa­bi­li­dade ina­li­e­nável do Es­tado e pelo cum­pri­mento do di­reito cons­ti­tu­ci­onal à cri­ação e à fruição cul­tural.

Nesse sen­tido, o PCP apre­sentou uma pro­posta em sede de Or­ça­mento do Es­tado para 2017 com vista ao alar­ga­mento da gra­tui­ti­dade do acesso aos Mu­seus e aos Mo­nu­mentos Na­ci­o­nais a todos os ci­da­dãos re­si­dentes no nosso País. A lei, que já devia estar a ser cum­prida desde 1 de Ja­neiro deste ano, en­trou fi­nal­mente em vigor a 2 de Julho. Este facto foi as­si­na­lado pelo PCP com a vi­sita de Je­ró­nimo de Sousa ao Museu Na­ci­onal Grão Vasco, mas também com dis­tri­bui­ções e ini­ci­a­tivas pú­blicas em Lisboa e Porto.

Este pro­cesso evi­den­ciou como a so­be­rania no quadro ac­tual da União Eu­ro­peia é afec­tada em ques­tões tão co­me­zi­nhas (ou não) como o di­reito dos povos e dos go­vernos de cada país a de­cidir de que forma são apli­cados os im­postos que su­portam os or­ça­mentos na­ci­o­nais. O Go­verno por­tu­guês foi sempre ale­gando que o atraso na im­ple­men­tação desta me­dida se deveu ao re­ceio de que fosse in­com­pa­tível com a le­gis­lação eu­ro­peia. Para o PCP, sempre foi claro que, se ne­ces­sário fosse, a so­lução teria de passar pelo alar­ga­mento da abran­gência da me­dida para lá dos re­si­dentes em ter­ri­tório na­ci­onal, re­jei­tando re­cuos no cum­pri­mento do acesso e do di­reito à fruição cul­tural.

A ver­dade é que não existe algo como uma es­pécie de «ex­cesso de gra­tui­ti­dade» no acesso a mu­seus e mo­nu­mentos. Aliás, convém mesmo re­cordar que, neste ca­pí­tulo, si­tuamo-nos abaixo da média eu­ro­peia e até muito abaixo, se nela in­cluirmos casos como o Reino Unido. Os mu­seus na­ci­o­nais bri­tâ­nicos são gra­tuitos há mais de uma dé­cada e, na sequência desta me­dida to­mada em 2001, o nú­mero de vi­si­tantes au­mentou 51 por cento em 10 anos. Este é um nú­mero que tem de nos fazer pensar: pelo po­ten­cial que com­porta, mas igual­mente por tudo o que es­taria a ser per­dido em termos de acesso cul­tural ao longo de anos.

Outra di­mensão que nos deve fazer re­flectir prende-se com o facto de, no Reino Unido, o nú­mero de cri­anças me­nores de 16 anos que vi­si­taram os mu­seus desde a im­ple­men­tação da gra­tui­ti­dade ter dis­pa­rado de forma ver­da­dei­ra­mente po­si­tiva. As es­ta­tís­ticas exis­tentes re­velam ainda que o pú­blico vi­si­tante dos mu­seus foi alar­gado e di­ver­si­fi­cado, tor­nando-se mais abran­gente e in­clu­sivo. Um dos as­pectos que res­salta nos nú­meros prende-se com o con­si­de­rável au­mento de vi­si­tantes pro­ve­ni­entes de zonas eco­no­mi­ca­mente des­fa­vo­re­cidas e de vi­si­tantes per­ten­centes a mi­no­rias ét­nicas. Criou-se o há­bito de ir ao museu com re­gu­la­ri­dade e não uma vez por festa.

Re­quintes de mal­vadez

En­quanto isso, o que foi acon­te­cendo no nosso País? Se­gundo dados da DGPC e do INE, entre 2009 e 2015, o nú­mero de vi­si­tantes es­co­lares aos mu­seus por­tu­gueses de­cresceu vi­si­vel­mente, com quebra acen­tuada a partir de 2011. Em termos de peso re­la­tivo, as vi­sitas es­co­lares pas­saram de um peso su­pe­rior a 20 por cento no total de vi­si­tantes em 2009, para pouco mais de 10 por cento em 2015. Dizer ainda que, pre­ci­sa­mente em 2015, o go­verno PSD-CDS se lem­brou de uma forma, com re­quintes de mal­vadez, de cer­cear ainda mais o di­reito à cul­tura por parte da po­pu­lação com me­nores re­cursos eco­nó­micos – co­lo­cando à ca­beça as cri­anças. Foi a de­cisão de cortar os apoios às vi­sitas de es­tudo es­co­lares a be­ne­fi­ciá­rios do Es­calão A e do Es­calão B da Acção So­cial Es­colar. Muitas cri­anças aca­baram por não poder par­ti­cipar nas vi­sitas, sendo apar­tadas de uma com­po­nente fun­da­mental para o seu cres­ci­mento e de­sen­vol­vi­mento da cul­tura in­te­gral que a es­cola deve pro­mover.

A questão da gra­tui­ti­dade do acesso não é de so­menos im­por­tância quando se fala do di­reito de todos à Cul­tura. Se­gundo dados do Grupo Eu­ropeu de Es­ta­tís­ticas sobre Mu­seus e do EU­ROSTAT, no nosso País, os bi­lhetes deste sector si­tuam-se entre os mais caros da Eu­ropa, tendo em conta a pa­ri­dade do poder de compra. É também por isso, mas não só, que re­meter as vi­sitas gra­tuitas para um do­mingo por mês, pros­se­guindo a opção de PSD e CDS aquando da sua pas­sagem pelo úl­timo go­verno, com­pro­me­teria o acesso e a ex­pe­ri­ência da fruição, bem como o de­sen­vol­vi­mento do im­pres­cin­dível há­bito de frequência e co­nhe­ci­mento dos nossos Mu­seus e Mo­nu­mentos Na­ci­o­nais.

De acordo com os dados do INE sobre es­ta­tís­ticas cul­tu­rais re­la­tivas a 2015 e com os dados da DGPC de 2016, po­demos ob­servar cla­ra­mente que a per­cen­tagem de vi­si­tantes na­ci­o­nais tem vindo a de­crescer e, no caso dos mu­seus na­ci­o­nais, é a pri­meira vez desde que há es­ta­tís­ticas que exis­tiram mais vi­si­tantes es­tran­geiros do que na­ci­o­nais. Fe­nó­menos que não se ex­plicam apenas pelo au­mento do tu­rismo es­tran­geiro. Con­jun­ta­mente com a di­mi­nuição de pú­blico es­colar, são ques­tões que jus­ta­mente me­re­ceram a re­flexão e a ini­ci­a­tiva do PCP.

Há ainda muito a fazer neste campo e os co­mu­nistas estão em­pe­nhados e com­pro­me­tidos na luta por novas me­didas e por avanços que tardam em fazer-se sentir. Avanços que estão es­tri­ta­mente de­pen­dentes da opção por uma po­lí­tica que au­mente o in­ves­ti­mento no or­ça­mento para a Cul­tura, de­fenda o Ser­viço Pú­blico de Cul­tura e o dote dos meios hu­manos e ma­te­riais ne­ces­sá­rios e ur­gentes, que in­ter­venha na es­tru­tura or­gâ­nica com vista ao cum­pri­mento destes ob­jec­tivos.

A de­fesa do di­reito de todos a toda a Cul­tura im­plica a re­jeição de uma po­lí­tica que con­dena os que, sendo es­ma­ga­do­ra­mente mai­o­ri­tá­rios, vêem a sua fruição cul­tural re­du­zida àquela pe­quena par­cela da Cul­tura que a classe do­mi­nante lhes des­tina. É, por isso, da maior im­por­tância o alar­ga­mento do re­gime de gra­tui­ti­dade de acesso aos Mu­seus e Mo­nu­mentos Na­ci­o­nais, me­dida pro­posta pelo PCP. Este do­mingo foi gra­tuito. Os pró­ximos serão também. Os fe­ri­ados idem. Apro­vei­temo-los ao má­ximo para co­nhecer e re­vi­sitar o nosso Pa­tri­mónio Cul­tural. É bom, sabe bem e faz bem!




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