Porta dos fundos

Henrique Custódio

O his­to­ri­ador José Pa­checo Pe­reira per­gunta no Pú­blico porque é que «a di­reita mais ra­dical, a versão na­ci­onal da alt-right ame­ri­cana, que tem como órgão de ex­pressão o Ob­ser­vador, não se pre­o­cupa com o CDS mas sim com o PSD?», res­pon­dendo que «o que os pre­o­cupa é o PSD, porque ins­tru­men­tal­mente é o PSD que tem os votos e não o CDS», con­cluindo que «o go­verno PSD-PP, com Passos e Portas, deu-lhes um braço ar­mado como nunca ti­veram, pe­rante a com­pla­cência de muita gente da di­reita or­gâ­nica e da es­querda, do PS ao Bloco».

«A di­reita mais ra­dical» de que Pa­checo Pe­reira fala en­tronca no fas­cismo sa­la­za­rista e emerge de uma cul­tura co­lo­nial-fas­cista sus­ten­tada por uma feroz guerra co­lo­nial de 13 anos e abrup­ta­mente ter­mi­nada com a Re­vo­lução dos Cravos, em 1974, fa­zendo ruir o edi­fício sa­la­za­rista do poder so­ci­o­e­co­nó­mico que es­magou o povo por­tu­guês por mais de quatro dé­cadas.

Essa di­reita po­derá ou não cor­res­ponder, como de­fende Pa­checo Pe­reira, à dita alt-right norte-ame­ri­cana do apoio a Trump, mas no caso por­tu­guês de­certo que mer­gulha mais fundo. Por um lado, é ul­tra­mon­tana, vem do fundo dos tempos em que a fi­dal­guia se re­pol­treava na im­pu­ni­dade do poder ab­so­luto; por outro, emerge de uma grande bur­guesia que em Por­tugal não foi re­vo­lu­ci­o­nária, li­mitou-se a adaptar o poder la­ti­fun­diário e pro­vin­ciano aos novos tempos do poder da in­dús­tria (de que re­ce­be­riam ma­qui­naria e equi­pa­mentos em se­gunda mão das po­tên­cias in­dus­triais, nos me­dío­cres es­boços de in­dus­tri­a­li­zação no nosso País e sempre pagos pelo erário pú­blico), ge­rando uma bur­guesia ter­ra­te­nente, atra­sada e re­ac­ci­o­nária, que ani­nhou con­for­ta­vel­mente os seus po­deres (esses sim) bur­gueses sob a asa pro­tec­tora do fas­cismo e, mais tarde, do co­lo­ni­a­lismo, por pressão das lutas de in­de­pen­dência e dos in­te­resses eco­nó­micos ge­rados pela guerra co­lo­nial.

O der­ru­ba­mento do fas­cismo com a Re­vo­lução de Abril foi um golpe pro­fundo no re­gime re­pres­sivo que se im­punha ao País e, a par da cons­trução de uma pá­tria livre com só­lidas fun­da­ções de­mo­crá­ticas – de que a Cons­ti­tuição é ga­rantia – a di­reita re­van­chista e bo­çal­mente re­ac­ci­o­nária ac­tuou in­ten­sa­mente contra a nova re­a­li­dade na­ci­onal, a co­berto da luta po­lí­tico-par­ti­dária e in­ves­tindo a fundo no PS e no PSD. Não é por acaso que o poder po­lí­tico desde 1976 tem sempre es­tado nas mãos do PS, do PSD e do CDS (o pen­du­ri­calho útil), tendo len­ta­mente de­vol­vido as ala­vancas da eco­nomia ao grande ca­pital.

Mas o go­verno Passos/​Portas foi, de facto, um braço ar­mado do re­van­chismo que Passos Co­elho as­sumiu, pro­cu­rando er­ra­dicar à bruta, do País, os traços pro­gres­sistas tra­zidos pelo Por­tugal de Abril. En­tregou o PSD a uma di­reita po­pu­lista e sem quais­quer va­lores de­mo­crá­ticos e saiu pela porta dos fundos.

 



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