O método de Mister Holmes

Correia da Fonseca

Foi uma enorme desgraça, um duro golpe para o País, mas foi também um mistério que está longe de solucionado: que tenha sido possível que em pouco mais de um fim-de-semana tão grandes extensões da floresta portuguesa tenham ardido, que tantas casas e outros bens tenham sido destruídos pelo fogo, que tantos cidadãos tenham morrido em circunstâncias pavorosas. Bem se sabe que para a direita política o mistério está solucionado: a culpa é do primeiro-ministro António Costa que aliás já pediu desculpa, sinal óbvio de que é culpado. Há contudo muita gente insatisfeita com esta fácil resposta ao mistério e que prefere trilhar os caminhos. Não acontece por cá o que ocorre do outro lado da fronteira Norte, na Galiza, onde as gentes até usam a expressão «terroristas incendiários» para explicarem a desgraça que chegou a contaminar também o território galego, mas é certo que também muitos portugueses, ao interrogarem-se, acabam por desembocar na suspeita não só de origens criminosas mas também de objectivos políticos. Não surpreende: quando se profetiza a vinda do Diabo e ele nunca mais chega, parece natural que se encomende a sua substituição. E provavelmente nem sequer então se pode escolher a modalidade da intervenção, pelo que, à falta de opções mais limpas, terá de se aceitar a que esteja mais à mão e que até pode sair barata, pois em terra de gente empobrecida o custo da mão-de-obra é baixo mesmo para as mais feias tarefas.

Uma pergunta básica

Acontece que, entre a tristeza e o espanto que tomaram os portugueses, terá havido quem tenha escolhido um método de pesquisa, digamos assim com algum exagero. Hão-de ter sido os telespectadores habituais de um canal acessível por cabo que se vocacionou para a transmissão de telefilmes de entrecho policiesco. Por essa via, esses telespectadores terão aprendido alguma coisa da investigação policial, pelo menos na versão que acontece na escrita de clássicos autores do género policiesco, pelo que se sentiram inclinados a adoptar um método de investigação básico que, para chegar à identificação do(s) criminoso(s), parte de uma interrogação inicial: quem beneficiou com o crime? Será o método de um mítico Sherlock Holmes, também de um Poirot ou de um Maigret, mas nada impede, antes pelo contrário, que extravase da ficção literária para ser aplicado a factos da vida real. E, no quadro deste terrível caso português, os que possam ter feito a pergunta podem ter julgado encontrar uma resposta após terem olhado os desenvolvimentos políticos posteriores à catástrofe. Nem é necessário explicitar aqui de que resposta se trata: ela entra-nos literalmente pelos olhos dentro quando a televisão nos envia as imagens do País devastado e, logo de seguida ou não, certas intervenções políticas. Não é difícil supor que então surge no imaginário de muitos telespectadores, decerto no dos mais atentos e dos que mais têm aprendido ao olharem a vida política portuguesa, uma espécie de retrato-robot da autoria de um crime. Com razão ou sem ela, naturalmente. Porque a suspeita também tem razões que a razão desconhece.




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