Jerusalém em contexto

Luís Carapinha

A de­cisão de Trump con­firma a sanha de Washington e Te­la­vive

A de­cisão dos EUA de re­co­nhecer Je­ru­salém como ca­pital de Is­rael cons­titui uma gra­vís­sima pro­vo­cação e vi­o­lação do di­reito in­ter­na­ci­onal, me­re­cendo a in­dig­nação e con­de­nação ge­ne­ra­li­zadas no mundo, e o aplauso do go­verno si­o­nista de Ne­tanyahu – que vê na de­cla­ração de Trump o co­roar da po­lí­tica de es­pe­zi­nha­mento do povo pa­les­ti­niano. Na ONU, os EUA ve­taram iso­lados uma pro­posta de re­so­lução do CS para anular a me­dida que re­cebeu 14 votos fa­vo­rá­veis.

Trump in­vocou uma lei apro­vada pelo Con­gresso em 1995 para se van­glo­riar da con­cre­ti­zação da me­dida in­cen­diária. Não des­co­nhe­cendo ra­zões e di­fi­cul­dades de ordem in­terna, no âm­bito de reais con­tra­di­ções e da luta in­tes­tina pela he­ge­monia que as­sola o es­ta­blish­ment da prin­cipal po­tência im­pe­ri­a­lista, esta de­cisão con­fi­gura um novo e inau­dito passo de uma po­lí­tica aven­tu­rei­rista, vi­rada para o agra­va­mento das ten­sões in­ter­na­ci­o­nais e o re­forço do mi­li­ta­rismo. Veja-se o au­mento do or­ça­mento do Pen­tá­gono para 2018. Pos­tura agres­siva e uni­la­teral, cujo apelo é cada vez mais a pedra de toque de uma ad­mi­nis­tração em que nunca, como agora, os in­te­resses do seg­mento do topo dos mais ricos dos EUA terão es­tado tão di­rec­ta­mente re­pre­sen­tados e con­cen­trados. E que, no plano in­terno, en­carna o mais obs­cu­ran­tista curso anti-so­cial. Di­nâ­mica por certo in­des­li­gável dos pro­fundos efeitos do abalo da crise fi­nan­ceira ca­pi­ta­lista de 2007/​8.

De­cisão de risco que, ao mesmo tempo, le­vanta não poucas in­ter­ro­ga­ções. Por que razão o pre­si­dente norte-ame­ri­cano de­cidiu cruzar a linha ver­melha em re­lação ao es­ta­tuto de Je­ru­salém? Obri­gando, in­clu­sive, países ali­nhados com a agenda sub­ver­siva dos EUA no Médio Ori­ente, caso da Arábia Sau­dita, a um exer­cício con­de­na­tório e, apa­ren­te­mente, alar­gando as di­fe­renças exis­tentes com as po­tên­cias da UE, no­me­a­da­mente em re­lação ao Irão?

A ac­tual ex­pressão prá­tica da po­lí­tica de factos con­su­mados co­loca em evi­dência uma evo­lução da cor­re­lação de forças des­fa­vo­rável a Washington. No plano re­gi­onal, não pode ser des­li­gada em par­ti­cular do revés das ten­ta­tivas de afas­ta­mento de Assad e des­mem­bra­mento da Síria, se­guindo o guião da Líbia. A vi­ragem na guerra síria, a der­rota do Daesh e o recuo dos grupos ter­ro­ristas, desde sempre apoi­ados pelo im­pe­ri­a­lismo, fi­zeram aflorar a mi­ríade de con­tra­di­ções entre po­tên­cias e ac­tores re­gi­o­nais. O re­forço do papel da Rússia e Irão con­juga-se com o res­sen­ti­mento do re­gime de Er­dogan da Tur­quia face à questão curda e os in­dí­cios do en­vol­vi­mento dos EUA e NATO no golpe de es­tado fa­lhado de 2016. É claro que a de­cisão de Trump con­firma a sanha de Washington e Te­la­vive em sa­botar o acordo nu­clear com o Irão e abrir uma re­no­vada frente de ba­talha com Te­erão, es­pe­rando por­ven­tura acabar por ar­rastar a UE. Afi­ve­lando e ati­çando, na pe­ri­gosa trama ge­o­po­lí­tica, as am­bi­ções da con­vul­si­o­nada mo­nar­quia sau­dita em toda a re­gião, do Lí­bano ao Ié­mene. Mas a de­cisão de Trump vai mais longe e visa con­frontar a Rússia e, muito es­pe­ci­al­mente, a China e o seu cres­cente papel na eco­nomia in­ter­na­ci­onal, ali­ando me­didas pro­tec­ci­o­nistas e pressão mi­litar. É isso que aponta a Es­tra­tégia de Se­gu­rança Na­ci­onal dos EUA, aca­bada de di­vulgar, e é este o bu­sílis da po­lí­tica de terra quei­mada que ameaça a paz mun­dial.



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