Jerónimo de Sousa reafirma direito soberano do povo português a decidir do seu destino

RUP­TURA Je­ró­nimo de Sousa in­ter­veio, no dia 21, numa das con­fe­rên­cias pro­mo­vidas pelo Diário de No­tí­cias por oca­sião do seu 153.º ani­ver­sário, que de­cor­reram sob o lema «Os Com­pro­missos de Por­tugal com a Eu­ropa».

UE as­senta no ne­o­li­be­ra­lismo, fe­de­ra­lismo e mi­li­ta­rismo

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Nas quatro con­fe­rên­cias or­ga­ni­zadas pelo mais an­tigo jornal do País, re­a­li­zadas na se­mana pas­sada no Centro Cul­tural de Belém, em Lisboa, par­ti­ci­param di­versas per­so­na­li­dades re­pre­sen­ta­tivas de di­versas forças po­lí­ticas, e ou­tras, como o co­mis­sário eu­ropeu Pi­erre Mos­co­vici e o mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros Au­gusto Santos Silva. Ao Se­cre­tário-geral do PCP foi co­lo­cado o de­safio de re­flectir sobre «Que Eu­ropa que­remos?». Pela pro­fun­di­dade e pre­mência da in­ter­venção, pu­bli­camos al­guns dos mais sig­ni­fi­ca­tivos ex­certos.

Crise na e da UE

«(…) Na nossa re­flexão, con­si­de­ramos que a ac­tual si­tu­ação na Eu­ropa con­tinua mar­cada pelo que ca­rac­te­ri­zamos como uma crise na e da União Eu­ro­peia – uma crise que não só é ex­pressão da crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo, como da na­tu­reza do pró­prio pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu, que está cor­re­la­ci­o­nado e é in­dis­so­ciável da­quela. Pas­sada uma dé­cada após o pico de crise que eclodiu em 2007/​2008, a União Eu­ro­peia não só não su­perou suas graves con­sequên­cias, como in­sistiu e acen­tuou os fac­tores e as po­lí­ticas que estão na origem da re­pro­dução da crise e viu evi­den­ci­arem-se e agu­di­zarem-se as suas con­tra­di­ções – de que o re­fe­rendo que de­ter­minou a saída do Reino Unido cons­titui ele­mento par­ti­cu­lar­mente sig­ni­fi­ca­tivo. (...)

A res­posta da União Eu­ro­peia à crise não só não re­solveu ne­nhuma das con­tra­di­ções que lhe são ine­rentes, como as acen­tuou. Tais como: a con­tra­dição entre os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e dos povos dos di­fe­rentes países que in­te­gram a União Eu­ro­peia – cujos di­reitos são cres­cen­te­mente co­lo­cados em causa – e os in­te­resses do ca­pital trans­na­ci­onal – cuja in­sa­ciável ne­ces­si­dade de acu­mu­lação e cen­tra­li­zação de ca­pital de­ter­mina o pro­cesso de in­te­gração; a con­tra­dição entre a pro­funda as­pi­ração à de­cisão so­be­rana e de­mo­crá­tica por parte de um povo quanto ao seu pre­sente e fu­turo, e um pro­cesso de in­te­gração que con­centra o poder em ins­ti­tui­ções supra-na­ci­o­nais do­mi­nadas por grandes po­tên­cias e pelo ca­pital trans­na­ci­onal e que con­fronta e des­res­peita a so­be­rania e a in­de­pen­dência de es­tados; ou a con­tra­dição entre os in­te­resses dos países da cha­mada “pe­ri­feria” e os in­te­resses das grandes po­tên­cias da União Eu­ro­peia, e entre os di­fe­ren­ci­ados in­te­resses de cada uma delas.

Mais do mesmo

«(…) É desta forma que res­surge o apro­fun­da­mento da União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária – com o con­tínuo in­cre­mento da li­be­ra­li­zação do Mer­cado Único, a cri­ação de um “FMI” dito eu­ropeu, a cri­ação do de­no­mi­nado “mi­nistro das Fi­nanças e da Eco­nomia“ ou a sempre anun­ciada fi­na­li­zação da União Ban­cária.

Res­surge a in­ces­sante des­ca­rac­te­ri­zação do or­ça­mento co­mu­ni­tário – en­quanto ins­tru­mento das tão pro­pa­ladas, como falsas, “con­ver­gência” e “co­esão eco­nó­mica e so­cial”. Res­surgem pro­postas para as­se­gurar a pre­ce­dência dos in­te­resses das grandes po­tên­cias da União Eu­ro­peia nos pro­cessos de pri­va­ti­zação, aqui­sição ou fusão face a ou­tros países. Res­surgem os tra­tados de livre co­mércio – agora tendo como bi­tola o de­no­mi­nado CETA. Res­surge o apro­fun­da­mento da mi­li­ta­ri­zação da União Eu­ro­peia – como pilar eu­ropeu da NATO e de forma dita “com­ple­mentar” a este bloco po­lí­tico-mi­litar.

Res­surge uma po­lí­tica de imi­gração e para os re­fu­gi­ados – pro­fun­da­mente dis­cri­mi­na­tória, ex­plo­ra­dora e de­su­mana. Res­surge a di­mi­nuição das vo­ta­ções por una­ni­mi­dade no Con­selho – com a sua pas­sagem para mai­oria qua­li­fi­cada. In­ten­ções, ob­jec­tivos e planos – entre tantos ou­tros –, cujo con­teúdo e con­cre­ti­zação final será, como sempre, de­ter­mi­nado e de­ci­dido em função da pre­ser­vação da União Eu­ro­peia como ins­tru­mento para as­se­gurar o do­mínio po­lí­tico e eco­nó­mico das grandes po­tên­cias – par­ti­cu­lar­mente da Ale­manha – e a im­po­sição da pre­va­lência dos in­te­resses dos seus grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros.

Su­blinhe-se que ne­nhuma das me­didas até aqui avan­çadas pelas ins­tân­cias da União Eu­ro­peia – in­cluindo esse em­buste cha­mado “Pilar Eu­ropeu dos Di­reitos So­ciais” – co­locam em causa o cerne das suas po­lí­ticas e ori­en­ta­ções (…)

Isto é, a “mais Eu­ropa”, ou sem eu­fe­mismos, a “mais União Eu­ro­peia” que é tanto pro­cla­mada, sig­ni­fica, afinal, uma mais grave re­gressão de di­reitos la­bo­rais e de ou­tros di­reitos so­ciais, o au­mento da con­cen­tração e cen­tra­li­zação da ri­queza e o agra­va­mento das de­si­gual­dades so­ciais e das as­si­me­trias de de­sen­vol­vi­mento entre os di­fe­rentes países; sig­ni­fica, afinal, o fo­mento do mi­li­ta­rismo e a in­ten­si­fi­cação da in­ge­rência contra es­tados so­be­ranos e os seus povos e o em­po­bre­ci­mento da de­mo­cracia; um cres­cente des­res­peito de di­reitos hu­manos, de que é cho­cante exemplo a forma como age com os muitos mi­lhares de imi­grantes e re­fu­gi­ados de guerras de agressão, re­la­ti­va­mente às quais a União Eu­ro­peia é co­ni­vente e pa­tro­ci­na­dora; sig­ni­fica o apro­fun­da­mento de po­lí­ticas que abrem es­paço de acção e alentam o cres­ci­mento da ex­trema-di­reita e do seu na­ci­o­na­lismo xe­nó­fobo e re­ac­ci­o­nário. (...)

Afirmar a so­be­rania

«Para o PCP, a in­ter­na­ci­o­na­li­zação da eco­nomia, a pro­funda di­visão in­ter­na­ci­onal do tra­balho, a in­ter­de­pen­dência e co­o­pe­ração entre es­tados e os pro­cessos de in­te­gração, cor­res­pondem a re­a­li­dades e ten­dên­cias que, em função da sua ori­en­tação, ca­rac­te­rís­ticas e ob­jec­tivos, podem servir o ca­pital trans­na­ci­onal ou podem servir os povos.

Gos­taria de frisar que, do mesmo modo e com o mesmo em­pe­nha­mento com que re­jeita so­lu­ções au­tár­cicas e iso­la­ci­o­nistas, bem como o chau­vi­nismo, o na­ci­o­na­lismo e o ra­cismo, o PCP re­cusa ali­anças e re­la­ções re­du­toras da so­be­rania na­ci­onal e em­po­bre­ce­doras da de­mo­cracia, e de­fende uma acção com vista à re­visão, anu­lação ou des­vin­cu­lação de tra­tados e com­pro­missos le­sivos do in­te­resse na­ci­onal e da paz mun­dial.

Uma das mais fortes exi­gên­cias que emerge do mundo em mu­dança em que vi­vemos, não é de gra­vosas ab­di­ca­ções de so­be­rania, de em­po­bre­ce­doras uni­for­mi­za­ções e de am­pli­ação da dis­tância entre os cen­tros de de­cisão e os povos, mas da pu­jante afir­mação da ri­queza das di­fe­renças, das iden­ti­dades na­ci­o­nais, do re­co­nhe­ci­mento do di­reito das na­ções a um poder po­lí­tico so­be­rano, da as­pi­ração à igual­dade de di­reitos e a novas formas de co­o­pe­ração.

Neste sen­tido, o PCP con­si­dera in­dis­pen­sável a afir­mação por Por­tugal de uma po­lí­tica que se de­sen­volva em seis di­rec­ções prin­ci­pais e in­ter­li­gadas:

de­fender sempre fir­me­mente os in­te­resses por­tu­gueses, de­sig­na­da­mente nas ins­ti­tui­ções eu­ro­peias, com­ba­tendo de­ci­sões que os pre­ju­di­quem;

mi­ni­mizar com me­didas con­cretas os con­di­ci­o­na­lismos e con­sequên­cias ne­ga­tivas da in­te­gração;

lutar contra as im­po­si­ções su­pra­na­ci­o­nais e as li­mi­ta­ções à de­mo­cracia e à von­tade dos povos;

re­clamar e uti­lizar a favor do pro­gresso de Por­tugal e do bem-estar dos por­tu­gueses todos os meios, re­cursos e pos­si­bi­li­dades;

agir es­pe­ci­fi­ca­mente e em ar­ti­cu­lação com os tra­ba­lha­dores e os povos de ou­tros países para romper com o pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu e pro­mover uma Eu­ropa de paz e co­o­pe­ração ba­seada em es­tados li­vres, so­be­ranos e iguais em di­reitos;

lutar por um de­sen­vol­vi­mento so­be­rano de acordo com os in­te­resses na­ci­o­nais dos tra­ba­lha­dores e do povo, cuja con­cre­ti­zação deve pre­va­lecer face a con­di­ci­o­na­mentos ou cons­tran­gi­mentos, as­su­mindo as exi­gên­cias, ca­mi­nhos e op­ções que a si­tu­ação co­loque como ne­ces­sá­rios.

Para o PCP, nada pode obrigar Por­tugal a re­nun­ciar ao di­reito de optar pelas suas pró­prias es­tru­turas so­ci­o­e­co­nó­micas e pelo seu pró­prio re­gime po­lí­tico. Nada pode obrigar Por­tugal a aceitar a po­sição de Es­tado su­bal­terno no quadro da União Eu­ro­peia e a ali­enar a sua so­be­rania e in­de­pen­dência na­ci­o­nais. O povo por­tu­guês tem, e de­verá sempre ter, o pleno di­reito de de­cidir do seu pró­prio des­tino e de es­co­lher os ca­mi­nhos que en­tender mais con­formes com a sua iden­ti­dade his­tó­rica e com os seus in­te­resses e as­pi­ra­ções.»

Se­lecção dos ex­certos, tí­tulo e sub­tí­tulos da res­pon­sa­bi­li­dade da Re­dacção

 



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