O programa

Correia da Fonseca

Ao longo do pas­sado fim-de-se­mana, a grande mo­ti­vação das di­versas ope­ra­doras que en­formam a te­le­visão por­tu­guesa foi o con­gresso do Par­tido So­cial De­mo­crata, o PPD/​PSD na fór­mula sau­do­sista de Pedro San­tana Lopes. Nem o pe­cu­liar «show» de Bruno de Car­valho lhe fez con­cor­rência, apesar de me­di­a­ti­ca­mente muito ape­ti­toso e de pro­meter de­sen­vol­vi­mentos que se cum­prirão ou não, quanto a isso vamos ver o que a fruta vai render, como en­sina uma ex­pressão po­pular. Mas no quadro do con­gresso, e para lá das muitas in­ter­ven­ções ha­vidas com pa­la­dares um pouco di­fe­rentes, é claro que a in­ter­venção final de Rui Rio era a mais es­pe­rada pela ge­ne­ra­li­dade das gentes su­pondo-se que seria a mais sig­ni­fi­ca­tiva. O que aliás se con­firmou. Não porque vi­esse car­re­gada de grandes e novas coisas, o que seria quase tão mi­ra­cu­loso como a bí­blica trans­for­mação da água em vinho, mas pre­ci­sa­mente pelo vazio de no­vi­dades que fun­da­men­tal­mente a ca­rac­te­rizou. Quem no dis­curso final de Rui Rio bus­casse ves­tí­gios de uma ino­vação im­por­tante, de um sig­ni­fi­ca­tivo mudar de rumo, não en­con­traria nada, o que não es­panta: desde tempos quase ime­mo­riais que o PSD é um par­tido de di­reita a fingir tosca e ina­bil­mente que é de centro-es­querda quando se lembra de que esse fin­gi­mento es­tri­ta­mente verbal lhe é con­ve­ni­ente.

À con­sig­nação

Con­tudo, nem foi pre­ciso es­perar pela in­ter­venção final de Rui Rio para per­ce­bermos que o PSD tem um pro­grama, nada que tenha a ver com o do­cu­mento an­tigo e nunca to­mado a sério re­di­gido sob o in­fluxo de Abril, mas sim o seu pro­jecto po­lí­tico ac­tual para apli­cação tão cedo quanto seja pos­sível: Rio tinha-o re­ce­bido na vés­pera, con­tido nas pa­la­vras de des­pe­dida de Pedro Passos Co­elho que delas se serviu para deixar uma úl­tima e fun­da­mental re­co­men­dação. De facto, foi for­mu­lado de um modo muito sin­té­tico e con­tudo es­cla­re­cedor: «– Não é fácil bater a ge­rin­gonça, mas é pre­ciso bater a ge­rin­gonça!», bradou ele. Foi uma sín­tese mar­cada pela raiva que o vem ca­rac­te­ri­zando desde há dois anos e teve ali o sen­tido de uma es­pécie de tes­ta­mento po­lí­tico que ou­tros fi­ca­riam en­car­re­gados de exe­cutar, um man­dato de vin­gança à con­sig­nação. Poder-se-á dizer, e bem, que um man­dato-pro­grama assim é uma ver­gonha; mas também se pode dizer, e igual­mente bem, que tem um ca­rácter ver­da­dei­ra­mente an­ti­na­ci­onal. É sa­bido que o País (o País, isto é, os por­tu­gueses) saiu de um pe­sa­delo que sobre ele se aba­tera em con­sequência da go­ver­nação do exe­cu­tivo PSD/​CDS; até que a re­pu­tação de Por­tugal me­lhorou aos olhos de uma co­mu­ni­dade ex­terna que está muito longe de ser de es­querda. É igual­mente sa­bido que esse re­sul­tado foi ob­tido graças ao que Portas ape­lidou de «ge­rin­gonça» numa gra­çola mal-in­ten­ci­o­nada que de facto foi tiro saído pela cu­latra. Que a úl­tima re­co­men­dação de Passos Co­elho tenha sido a de «bater a ge­rin­gonça» e que ela surja como o efec­tivo pro­grama po­lí­tico cla­ra­mente ex­presso dá a me­dida de quanto no ex-pre­si­dente do PSD, e por jus­ti­fi­cada ex­tensão na ge­ne­ra­li­dade da di­reita, o sen­ti­mento pre­va­le­cente não é o in­te­resse dos por­tu­gueses, do País, mas sim o seu ódio.




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