Jerónimo de Sousa reafirma actualidade do legado de Karl Marx
ABERTURA Intervindo na abertura da Conferência, Jerónimo de Sousa destacou o legado revolucionário de Karl Marx e a sua importância para a luta do presente pela democracia e o socialismo. Publicamos extractos dessa intervenção.
A construção do socialismo e do comunismo são objectivos supremos do PCP
«Com a presente Conferência iniciamos as Comemorações do II Centenário do nascimento de Karl Marx, que decorrerão ao longo de todo o ano de 2018, sob o lema Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo. Nesta Conferência marcará presença a abordagem de temas de actualidade no campo da economia, da organização social, da política e da filosofia, utilizando e enriquecendo o legado conceptual de Karl Marx. (...)
Para um Partido da classe operária e de todos os trabalhadores, para um Partido marxista, comemorar a passagem dos duzentos anos do nascimento de Karl Marx é pôr em relevo a natureza, o significado, o desenvolvimento, o contributo para a transformação do mundo da obra do fundador do socialismo científico. É renovar, na celebração deste acontecimento, o nosso compromisso de Partido patriótico e internacionalista com o projecto revolucionário da construção de uma sociedade nova, liberta da exploração do homem pelo homem, para a realização da qual Marx deu um contributo ímpar. É erguer todas as nossas capacidades e energias para cumprir as tarefas da luta que travamos em defesa dos interesses dos trabalhadores.
Por mais que os seus adversários o pretendam iludir, as ideias de Marx são mais actuais do que nunca. O marxismo não é uma doutrina revelada, mas uma teoria intrinsecamente ligada com a prática, que se desenvolve e enriquece em função das novas realidades e com o progresso dos conhecimentos científicos. Ao afirmar-se no palco da história como força social independente, com as suas reivindicações próprias que contestavam a exploração de que era vítima, a classe operária tornou patente que uma nova organização social devia substituir a sociedade capitalista.
Fundamentar a necessidade dessa substituição e indicar as condições objectivas que, pelas suas contradições, a possibilitavam, foi a tarefa que Marx empreendeu, em colaboração com o seu amigo e companheiro de luta, Friedrich Engels. Isso implicou operar um revolucionamento na concepção filosófica da Natureza e da História, em que a primeira deixou de ser, como até então, considerada como algo de dado, acabado e eternamente repetido, e a segunda como o produto das ideias e acções de grandes homens. (…)
O marxismo nunca afirmou, ao contrário do que querem fazer crer os seus críticos ou inimigos declarados, gratos e obedientes ao capital, que o factor económico é o único determinante, reduzindo o marxismo, para melhor o combater, a um determinismo economicista. A prossecução da vida humana tem-se processado até aqui, exceptuadas as comunidades primitivas, em sociedades divididas em classes sociais em luta pelos seus interesses antagónicos, cujo desenvolvimento histórico Marx e Engels magistralmente evocam no seu Manifesto do Partido Comunista.
Luta essa que continuava a desenvolver-se e a aprofundar-se sob os seus olhos e dela foram activos intervenientes, participando directamente nos combates revolucionários do seu tempo, nomeadamente nas revoluções de 1848/1849. Foram também, além disso, os seus fiéis porta-vozes e intérpretes, discernindo e evidenciando o papel de vanguarda da classe operária e das massas trabalhadoras na luta contra a exploração capitalista, e de força social a quem, pelas suas condições objectivas de existência, cabe a missão histórica de pôr fim à dominação da burguesia, destruindo o instrumento dessa dominação — o aparelho de Estado burguês — e instituindo um Estado proletário que se extinguirá à medida que se torne realidade o seu objectivo de construção de uma sociedade em que foram eliminadas as classes e, por conseguinte, a possibilidade da exploração do homem pelo homem.
Um Partido e um programa
para a nova sociedade
Marx e Engels mostraram igualmente que, na sua libertação do jugo do capital, a classe operária precisa de se organizar em Partido autónomo, com um programa de classe próprio — o Partido Comunista —, pois, como escreveram, «os comunistas são, na prática, o sector mais decidido, sempre impulsionador, dos partidos operários de todos os países» e «na teoria, eles têm, sobre a restante massa do proletariado, a vantagem da compreensão das condições, do curso e dos resultados gerais do movimento proletário».
O proletariado, mesmo constituindo a grande massa da população do planeta, só terá condições de levar a cabo o seu papel histórico elevando a sua organização. Nas palavras de Marx, «o número só pesa na balança se unido pela combinação e guiado pelo conhecimento». Foi essa convicção que levou à fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, a primeira organização internacional de massas do proletariado, de que Marx e Engels foram os principais dirigentes. (...)
Dizia Marx que o «mérito» da concepção materialista dialéctica do mundo, assim se designa o novo modo de conceber a Natureza e a História a que atrás aludimos, e que, por volta de 1845, Marx e Engels elaboram em obras como a Ideologia Alemã e As teses sobre Feuerbach, e que está na base do primeiro programa de acção dos comunistas, organizados na Liga dos Comunistas, o Manifesto do Partido Comunista, apresentado em 1848 «abertamente perante o mundo inteiro», como nele se proclama — o seu «mérito» consistia em que «nós não queremos antecipar dogmaticamente o mundo, mas encontrar, a partir da crítica do mundo velho, o mundo novo». (...)
Uma sociedade, portanto, em que seja resolvida a contradição fundamental que caracteriza o capitalismo: a contradição entre a produção social e a apropriação privada do seu produto dada a propriedade dos meios de produção pelos capitalistas.
Uma sociedade em que seja posto fim à escravidão assalariada a que a sociedade capitalista condena os trabalhadores por não terem nada de seu a não ser a sua força de trabalho, e que permite aos capitalistas que a compram, numa relação contratual aparentemente equitativa, fazer com que ela lhe produza gratuitamente um valor para além daquele que em troca retribui, aos que a despendem, sob a forma de salário.
Este apenas corresponde ao mínimo necessário para a reposição da força de trabalho dos assalariados e não ao valor por eles criado. Os capitalistas apropriam-se deste sobretrabalho sob a forma de mais-valia, sendo esta apropriação a essência da produção capitalista, própria apenas dela. Com razão dizia Lénine que a teoria da mais-valia de Marx constituía a pedra angular da sua doutrina económica.
Uma sociedade em que seja a satisfação das necessidades sociais e não a procura do lucro máximo o objectivo da produção social, pois este, desencadeando uma concorrência anárquica entre os capitalistas, leva-os a investir cada vez mais em meios de produção para aumentar a sua produção, aumentando em consequência o exército de reserva de mão-de-obra, e fazendo com que a capacidade de consumo, nomeadamente o consumo pessoal maioritariamente feito pelas massas trabalhadoras, não acompanhe o crescimento dos bens produzidos, que se tornam «excedentários» no mercado mas «deficitários» para assegurar uma vida condigna para todos.
Uma sociedade que, como Marx advertiu, tem de ser configurada «não como ela se desenvolveu a partir da sua própria base, mas inversamente tal como precisamente ela sai da sociedade capitalista; [uma sociedade comunista] portanto, que, sob todos os aspectos — económicos, de costumes, espirituais — ainda está carregada das marcas da velha sociedade, de cujo seio proveio».
Actualidade do marxismo-leninismo
No rasgar dos caminhos do futuro, a leitura e estudo das obras dos clássicos do marxismo-leninismo é indispensável, sendo de destacar a obra magna de Marx, O Capital, cuja actualidade não reside em nos dar receitas já prontas para os novos fenómenos e contradições que o desenvolvimento do capitalismo vai manifestando e que nos confrontam, mas porque os conceitos e o método de análise da realidade desenvolvidos por Marx, e presentes em O Capital, mostram ser capazes de dar conta das configurações actuais do capitalismo, de apreender a suas contradições e dinâmica. Isso implica simultaneamente um enriquecimento criativo desses conceitos e método no seu confronto concreto com o que é novo e a aferição dos resultados com eles obtidos pela acção prática transformadora, pela acção revolucionária neles inspirada.
O património teórico que a prodigiosa actividade científica e revolucionária de Marx legou à Humanidade não é, como o próprio Marx repetidamente sublinhou, algo de intemporal e acabado, mas ponto de partida para novos aprofundamentos e novos desenvolvimentos no conhecimento e na resposta às realidades de um sistema assente na exploração capitalista, num mundo em constante mudança.
Um património tão sólido e verdadeiro que não só resistiu à erosão do tempo como, tomado como seu pelo movimento operário e amplas massas populares, se afirmou como a mais poderosa arma de transformação social emancipadora. Um património que, acompanhando os prodigiosos progressos da ciência, se enriqueceu e desenvolveu com a luta do movimento comunista e revolucionário mundial e as experiências de inúmeros combates libertadores dos trabalhadores dos países capitalistas, do movimento de libertação dos povos colonizados, dos países socialistas, de amplos movimentos democráticos, anti-imperialistas e em defesa da paz.
Na passagem do capitalismo, no final do século XIX, à sua fase monopolista colocaram-se numerosas questões de carácter teórico e prático para cuja compreensão e solução Lénine deu uma genial contribuição, nomeadamente com a análise do imperialismo, a concepção de partido proletário de «novo tipo», a questão do Estado, a táctica e estratégia da classe operária para conquistar o poder político e na construção do socialismo. Obras como Que Fazer?, Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo ou O Estado e a Revolução, escritas no calor da luta e baseadas no estudo das novas realidades, testemunham bem que o «marxismo não é um dogma mas um guia para a acção» e que a «análise concreta da situação concreta é a alma do marxismo».
Com Lénine o marxismo conheceu um desenvolvimento tão marcante que o seu nome ficou justamente associado ao de Marx no conceito de marxismo-leninismo, numa relação tão profunda que deita por terra recorrentes ofensivas revisionistas que tentam opor Lénine a Marx. A Revolução de Outubro, com a conquista do poder pela classe operária e o empreendimento da nova sociedade socialista, confirmou o carácter transitório do capitalismo e as teses fundamentais de Marx relativas à missão histórica da classe operária, ao papel das massas como o grande sujeito da transformação social, ao Estado e à superioridade da democracia socialista, à exigência de socialização dos principais meios de produção e outras. (…)
Viver e agir no século XXI
Vivemos e agimos no século XXI. Profundas transformações se deram no mundo de Marx até aos dias de hoje, incluindo no próprio capitalismo, que no seu desenvolvimento nos colocou perante fenómenos novos e imprevistos a exigirem permanentes e aprofundadas análises. Mas nem o capitalismo mudou de natureza, nem perdeu actualidade e capacidade operativa na análise e compreensão da realidade de hoje o corpo teórico original de Marx, antes se ampliou a sua capacidade com a inclusão dos contributos de cada nova geração de estudiosos e revolucionários e as experiências de luta do movimento comunista e operário e internacional. (…)
A globalização capitalista e os seus processos de liberalização planetária dos mercados e da livre circulação de capitais, sob o domínio da ditadura das grandes corporações transnacionais, acentuam igualmente o processo de concentração e centralização de capital. Hoje um milhar e meio de grandes empresas multinacionais controlam mais de 60% da economia mundial. Processos que Marx com perspicácia antecipou, vinculados à busca incessante de produção e apropriação de mais-valia e quando apenas se via em estado embrionário. As suas consequências são o agravamento da exploração, o desemprego, a precariedade, o aumento das injustiças e desigualdades sociais, o ataque a direitos sociais e laborais, a negação de liberdades e direitos democráticos, mas também a guerra, que surge cada vez mais como a resposta à crise do sistema de exploração e opressão.
O desenvolvimento da crise do capitalismo confirma as teses fundamentais de Marx, mas também de Lénine, sobre as leis que regem o capitalismo na sua fase imperialista. Elas põem em evidência a lei de baixa tendencial da taxa de lucro elaborada por Marx; da tendência para a financeirização da economia, que dirige o capital para a especulação em detrimento do investimento produtivo; a lei da pauperização relativa; a lei do desenvolvimento desigual; a tendência para a estagnação, traduzida na quebra do crescimento do PIB dos principais países capitalistas.
A incapacidade do capitalismo para ultrapassar as suas próprias contradições está bem presente na evolução da sua crise. Desde logo, a contradição entre o capital e o trabalho e a luta permanente em torno da taxa de mais-valia. Mas também a fundamental contradição que caracteriza o capitalismo: a contradição entre carácter social da produção e a sua apropriação privada que se revela cada vez mais aguda. O capitalismo não é o «fim da História». Como todos os sistemas precedentes, o capitalismo é um modo de produção transitório. A superação revolucionária das suas insanáveis contradições é uma exigência do desenvolvimento social. Em permanente confronto com as necessidades, os interesses, e as aspirações dos trabalhadores e dos povos, a superação do capitalismo assume-se, com crescente acuidade, por diferentes caminhos e etapas, como objectivo da luta dos trabalhadores e dos povos, enquanto perspectiva e condição de futuro inseparável da plena libertação e realização humanas.
Superação que exige a participação consciente dos trabalhadores e dos povos, a sua unidade, organização e luta no processo de transformação social e, particularmente, o papel histórico da classe operária e dos seus aliados no porvir da sociedade nova, liberta da exploração. Exige a valorização do papel da luta de massas, factor determinante e decisivo, para assegurar o êxito de qualquer projecto de transformação social progressista, que sirva os trabalhadores e os povos, conscientes que somos do papel da luta de classes como motor da história, e que K. Marx e F. Engels genialmente revelaram.
Precisa de um Partido Comunista forte e permanentemente reforçado, assumindo o seu papel de vanguarda em estreita ligação à classe operária, aos trabalhadores e ao povo.
Um Partido munido dos instrumentos teóricos do marxismo-leninismo. Um Partido que age e luta permanente e quotidianamente em defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo.
Coube a Marx o mérito de ter desvendado a missão histórica da classe operária e, com Engels, ter fundado o partido revolucionário de vanguarda do proletariado e elaborado o primeiro programa comunista. Desde então o movimento comunista tornou-se uma grande força revolucionária, de que são inseparáveis os grandes avanços libertadores entretanto alcançados. Foi neste processo mundial de alargamento da difusão do marxismo que, em 1921, foi fundado o Partido Comunista Português. Um Partido Comunista que não abdica de o ser, consciente e orgulhoso do seu papel, firme no seu ideal e na afirmação do seu projecto transformador e revolucionário de luta pela construção do socialismo e do comunismo. (...)»
(Título, subtítulos e extractos da responsabilidade da redacção)