Comentário

Ainda o orçamento da UE

João Ferreira

Longe vão os tempos em que o or­ça­mento da CEE era di­rec­ci­o­nado mai­o­ri­ta­ri­a­mente para a cha­mada Po­lí­tica Agrí­cola Comum, a PAC, cujo ob­jec­tivo pri­mor­dial era au­mentar a ca­pa­ci­dade pro­du­tiva das prin­ci­pais po­tên­cias ca­pi­ta­listas eu­ro­peias. Al­can­çado tal de­si­de­rato (com no­tável su­cesso, diga-se), essa mesma PAC, re­pre­sen­tando ainda uma subs­tan­cial porção do or­ça­mento, passou a fi­nan­ciar a des­truição de ca­pa­ci­dade pro­du­tiva numa «pe­ri­feria» en­tre­tanto cons­ti­tuída e alar­gada, onde se in­cluía Por­tugal, para onde in­te­res­sava es­coar as pro­du­ções ex­ce­den­tá­rias do centro.

O di­nheiro da PAC fluía (e ainda flui) em di­recção aos di­fe­rentes es­tados-mem­bros se­gundo um «his­tó­rico» de pro­dução que fez (e ainda faz) de uns fi­lhos, e de ou­tros en­te­ados, agra­vando de­si­gual­dades pré-exis­tentes.

Agora que a PAC foi li­be­ra­li­zada, que os ins­tru­mentos de re­gu­lação da pro­dução e dos mer­cados foram des­man­te­lados, que o mer­cado é quem manda, que a con­cen­tração ca­pi­ta­lista da pro­pri­e­dade e da pro­dução se ge­ne­ra­lizou ar­ra­sando parte im­por­tante da pe­quena e média pro­dução e da agri­cul­tura fa­mi­liar, agora que as de­si­gual­dades en­tre­tanto ca­vadas são mais di­fi­cil­mente com­ba­tidas, a PAC passa a ser vista por quem dela mais be­ne­fi­ciou como uma des­pesa menos ne­ces­sária, menos jus­ti­fi­cada. Daí o ob­jec­tivo fi­xado de uma pro­gres­siva «re­na­ci­o­na­li­zação» dos custos da PAC. Re­pare-se: dos custos, e não da po­lí­tica pro­pri­a­mente dita, já que as re­gras e cons­tran­gi­mentos con­ti­nuam a ser di­tados ao nível da UE.

Para além da PAC, a «po­lí­tica de co­esão» foi cons­ti­tuindo uma outra fatia im­por­tante do or­ça­mento, ainda que desde sempre com re­cursos aquém da­quilo que os seus ob­jec­tivos exi­gi­riam.

A di­nâ­mica de di­ver­gência im­posta pela in­te­gração ca­pi­ta­lista tornou ne­ces­sário, para que as de­si­gual­dades se não tor­nassem in­sus­ten­tá­veis, que essa di­ver­gência fosse sendo mi­ti­gada ou es­con­dida. Assim nas­ceram os «fundos es­tru­tu­rais» e de «co­esão», ins­tru­men­tais no ali­ci­a­mento de novas ade­sões, mas in­su­fi­ci­entes para efec­tivar a tão pro­pa­lada «co­esão eco­nó­mica e so­cial» (a que se acres­centou mais tarde a di­mensão «ter­ri­to­rial»).

As prin­ci­pais po­tên­cias eu­ro­peias, os grandes be­ne­fi­ciá­rios da in­te­gração, do mer­cado único e das po­lí­ticas co­muns, tendem a ver a «po­lí­tica de co­esão» como um custo da in­te­gração. Um custo ne­ces­sário para uma re­dis­tri­buição quanto baste às prin­ci­pais po­tên­cias, mas que se deve mi­ni­mizar tanto quanto pos­sível. Assim vem acon­te­cendo. À me­dida que se apro­fundou a in­te­gração e os seus ins­tru­mentos ge­ra­dores de di­ver­gência, com des­taque para a moeda única, os re­cursos de­vo­tados à co­esão foram en­co­lhendo. O mesmo acon­teceu na me­dida do alar­ga­mento da UE.

Ao longo dos anos e até hoje, o grande ca­pital trans­na­ci­onal, os mo­no­pó­lios eu­ro­peus e as po­tên­cias que de­fendem os seus in­te­resses, não dei­xaram de levar a água ao seu moinho, con­for­mando o or­ça­mento – na des­pesa e na re­ceita – aos seus pró­prios in­te­resses.

A co­esão en­co­lheu e en­co­lherá, pre­vi­si­vel­mente. Mas au­men­taram e au­men­tarão, pre­vi­si­vel­mente, as verbas di­ri­gidas a grandes em­pre­en­di­mentos fa­ci­li­ta­dores da in­te­gração ca­pi­ta­lista, vi­sando con­so­lidar e alargar o mer­cado único a novas es­feras da vida eco­nó­mica, so­cial e cul­tural dos es­tados; o fi­nan­ci­a­mento di­recto aos mo­no­pó­lios, através de par­ce­rias pú­blico-pri­vado em áreas di­versas, de em­prés­timos e ga­ran­tias, in­ter­me­di­ados pela banca pri­vada, que subs­ti­tuem as sub­ven­ções aos es­tados; o fi­nan­ci­a­mento à in­dús­tria do ar­ma­mento e da guerra.

Estes são termos que en­qua­dram um de­bate que se de­sen­vol­verá nos pró­ximos meses.




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