Aida Magro, uma vida de cabeça levantada

EVOCAÇÃO Nas­cida em An­gola há um sé­culo, Aida Magro en­frentou com co­ragem as mais duras pri­va­ções da luta contra o fas­cismo: a clan­des­ti­ni­dade, a prisão, a se­pa­ração do com­pa­nheiro e da filha.

Aida Magro passou à clan­des­ti­ni­dade com a filha de três meses

Não há pa­la­vras que con­sigam des­crever ca­bal­mente a du­reza da vida dos fun­ci­o­ná­rios clan­des­tinos do PCP na longa luta contra o fas­cismo. Para lá dos feitos he­róicos, dignos de epo­peia ci­ne­ma­to­grá­fica – como as greves e ma­ni­fes­ta­ções, as fugas da prisão, a co­ragem face à tor­tura –, havia o dia-a-dia duro, as es­cassas re­fei­ções, a cons­tante sen­sação de risco, o corte com a fa­mília e os amigos, a se­pa­ração dos com­pa­nheiros e dos fi­lhos. Um he­roísmo si­len­cioso e dis­creto, mas não menos real.

Como muitos ou­tros co­mu­nistas, ho­mens e mu­lheres, Aida Magro passou por todas estas provas. Com ad­mi­rável co­ragem.

Aida de Freitas Lou­reiro – o ape­lido Magro vem do ca­sa­mento com o di­ri­gente co­mu­nista José Magro, amigo de in­fância – nasceu em An­gola a 4 de Abril de 1918. O seu pai, de só­lida for­mação pro­gres­sista, so­freu di­versos des­terros por de­sa­venças com o go­ver­nador da co­lónia. À filha deixou, entre ou­tras re­cor­da­ções, uma pro­funda ad­mi­ração pelos afri­canos e a con­vicção de que a in­de­pen­dência de An­gola, mais cedo do que tarde, seria uma re­a­li­dade. Numa en­tre­vista a Gina de Freitas (A Força Ig­no­rada das Com­pa­nheiras, Plá­tano Edi­tora) Aida Magro re­corda a vinda para Lisboa, aos 15 anos: como [o pai] de­se­java educar as fi­lhas para que um dia não fi­cassem de­pen­dentes de qual­quer homem, pediu a re­forma e a fa­mília re­gressou de­fi­ni­ti­va­mente a Lisboa.»

Uma vez na Me­tró­pole, ins­creve-se no Ins­ti­tuto In­dus­trial de Lisboa, for­mando-se como agente téc­nica de En­ge­nharia Quí­mica. O re­gresso a Por­tugal re­a­pro­xima-a de José, com quem acaba por se casar.

A luta, o Par­tido
e a clan­des­ti­ni­dade

Aida Magro aderiu ao Par­tido em 1942, dois anos de­pois de José Magro. Nesse mo­mento, pra­ti­ca­mente toda a Eu­ropa es­tava sub­me­tida ao nazi-fas­cismo, que não tinha ainda so­frido as grandes der­rotas na Frente Ori­ental: o im­pério dos mil anos pro­me­tido por Hi­tler era ainda, aos olhos de muitos, a mais re­a­lista pers­pec­tiva de fu­turo. A adesão ao Par­tido foi, nesta con­jun­tura, uma ou­sadia.

As pri­meiras ta­refas de­sem­pe­nhadas por Aida Magro foram a an­ga­ri­ação de ali­mentos para os mi­li­tantes do Par­tido que se en­con­travam na clan­des­ti­ni­dade (em tempos de grandes di­fi­cul­dades de­vido ao ra­ci­o­na­mento), no mo­vi­mento que pro­cu­rava reunir mu­lheres e elevar o seu nível cul­tural e par­ti­ci­pação so­cial. Em termos es­tri­ta­mente par­ti­dá­rios in­te­grava o Or­ga­nismo de Mu­lheres do PCP e a frente da So­li­da­ri­e­dade.

Em 1945, pe­rante a imi­nência da prisão de José Magro, o casal mer­gulha na clan­des­ti­ni­dade com a filha de meses. Ele foi pri­meiro, em Março; Aida e a cri­ança se­guiram-no pouco de­pois. Co­me­çava aí um pe­ríodo par­ti­cu­lar­mente duro da vida de Aida Magro, mar­cado pelas enormes pri­va­ções, a se­pa­ração da filha, a prisão do ma­rido e, de­pois, a sua pró­pria. Se muitas vezes as suas re­fei­ções se li­mi­taram a «duas ba­tatas co­zidas com uma folha de al­face», vá­rias oca­siões houve em que nem se­quer comeu, de modo a que o com­pa­nheiro (que che­gava a ca­mi­nhar muitos qui­ló­me­tros por dia) o pu­desse fazer, assim como a filha.

Par­ti­cu­lar­mente do­lo­rosa foi a se­pa­ração da cri­ança, que foi viver com os avós: «eu tinha o di­reito de me sa­cri­ficar por uma luta que con­si­de­rava justa, mas não tinha o di­reito de sa­cri­ficar a minha filha tor­nando-a uma cri­ança débil». A se­gunda se­pa­ração, anos de­pois, marcou pro­fun­da­mente mãe e filha.

Os seis anos entre a prisão do com­pa­nheiro, em 1951, e a sua, foram também muito duros. Na já ci­tada en­tre­vista lembra: «não tinha filha, não tinha ma­rido, es­tava so­zinha.» Quando a PIDE a prendeu em casa, com ar­quivos, ma­te­riais de pro­pa­ganda e es­tudos com­pro­me­te­dores, con­tro­lava a Zona Ori­ental de Lisboa, à época a área in­dus­trial mais im­por­tante da ca­pital.

Le­ga­li­dade e li­ber­dade

Aida Magro foi li­ber­tada em Fe­ve­reiro de 1963, com três anos de re­si­dência fixa e apre­sen­tação mensal na PIDE. A vi­gi­lância per­ma­nente de que era alvo – «a minha vida foi dis­se­cada mo­mento a mo­mento», re­cor­daria mais tarde – e a longa prisão do ma­rido (a úl­tima delas de 1962 até ao 25 de Abril) não a im­pe­diram de pros­se­guir a luta contra o fas­cismo, já não na clan­des­ti­ni­dade, mas em ac­ções le­gais e semi-le­gais.

Nestes anos, até ao 25 de Abril, em­penha-se na luta pela me­lhoria das con­di­ções nas ca­deias e a li­ber­tação dos presos po­lí­ticos. Co­la­borou com a Co­missão Na­ci­onal de So­corro aos Presos Po­lí­ticos e levou longe a exi­gência de am­nistia. Em 1969 in­tervém no se­gundo Con­gresso Re­pu­bli­cano de Aveiro, em nome de um grupo de fa­mí­lias de presos po­lí­ticos, e em 1973 leva a luta pela am­nistia a ci­dades eu­ro­peias como Ge­nebra, Paris, Bru­xelas, Lon­dres e Roma.

Com a Re­vo­lução de Abril, Aida Magro re­gressa ao quadro de fun­ci­o­ná­rios do Par­tido, co­lo­cando toda a sua fir­meza e ex­pe­ri­ência ao ser­viço da sua trans­for­mação num grande par­tido de massas. In­tegra a Di­recção da Or­ga­ni­zação Re­gi­onal de Lisboa e de­sem­penha ta­refas na sede cen­tral, até se re­formar, em 1984. Fa­leceu em fi­nais de 2011.

 

Co­ragem face à re­pressão

Como su­cedia a qual­quer quadro do Par­tido nesses anos de chumbo da re­sis­tência an­ti­fas­cista, o con­fronto com a re­pressão foi uma prova de­ci­siva que também Aida Magro teve que en­frentar. Com tantas ou­tras, antes e de­pois, passou-a «com honra, re­cu­sando-se a passar de­cla­ra­ções à po­lícia», como lem­brou Do­mingos Abrantes no dis­curso que pro­feriu no seu fu­neral, em No­vembro de 2011.

In­ter­ro­ga­tó­rios su­ces­sivos, iso­la­mento pro­lon­gado, in­ci­ta­mentos à traição e cas­tigos mar­caram o pe­ríodo em que Aida Magro es­teve presa – seis anos e não os dois e meio a que fora con­de­nada. Na obra «Mu­lheres Por­tu­guesas na Re­sis­tência», de Rose Nery Nobre de Melo, Aida Magro re­corda os tempos da prisão: «Cas­tigos, eram aos montes. Por tudo e por nada cas­ti­gavam os presos. Era ne­ces­sário que eles so­fressem, era ne­ces­sário que sen­tissem bem na carne o que era a prisão, era ne­ces­sário des­truí-los.» Par­ti­cu­lar­mente cruel foi o que lhe fi­zeram em Ca­xias: «es­ti­vemos [ela e o José Magro] dois anos e meio na mesma ca­deia, ele no andar de baixo e eu no andar de cima, e então aí eles ac­tu­aram de ma­neira ab­so­lu­ta­mente sá­dica, fa­zendo sentir que ma­rido e mu­lher não se po­de­riam en­con­trar. Foi uma luta para nos con­se­guirmos es­crever.»

Sempre ac­tiva na de­núncia das más con­di­ções pri­si­o­nais, na luta pela me­lhoria dos ran­chos ou dos ser­viços mé­dicos e no apoio aos com­pa­nheiros presos, Aida Magro so­freu cas­tigos su­ces­sivos: «nunca me furtei a dar o peito no com­bate diário pela con­quista de me­lhores con­di­ções de vida car­ce­rária. E estou con­tente por tê-lo feito. Aca­bá­vamos, mais tarde ou mais cedo, por con­segui-las.»

 

 



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