As gorduras que temos de eliminar

Rui Mota

Pe­rante a re­a­li­dade, como trans­formá-la? E de que lado que­remos estar?

SU­SANA MATOS


A menos de uma se­mana de co­me­mo­rarmos o ani­ver­sário do 25 de Abril, olhamos para dois li­vros de Álvaro Cu­nhal de­di­cados aos lei­tores mais novos, pu­bli­cados nos úl­timos meses. Um desses li­vros é Os Bar­rigas e os Ma­griços e traz-nos a his­tória de um país de há muitos anos atrás. Um país onde havia uns ho­mens co­nhe­cidos como os Bar­rigas — que co­miam tanto, tanto que «o corpo dos Bar­rigas lá por dentro devia ser todo estô­mago»; e ou­tros co­nhe­cidos como os Ma­griços — que à falta de tra­balho fi­cavam «tão ma­gri­nhos, só pele e osso, ma­gri­nhos como ca­ra­paus secos».

Era um país in­justo, onde uns tra­ba­lhavam para ou­tros en­ri­que­cerem, onde fal­tava a li­ber­dade e se en­chiam as pri­sões. Mas acon­teceu numa Pri­ma­vera os Ma­griços jun­tarem-se aos sol­dados para di­zerem «ao mais bar­ri­gudo dos Bar­rigas» que «Isto não pode con­ti­nuar assim». E sem medo avan­çaram para as terras e para as fá­bricas, de­sen­vol­veram o País, dis­tri­buíram a ri­queza por todos e tor­naram-se assim se­nhores do seu pró­prio des­tino. Como nos diz no texto, «quando se fala no 25 de Abril, é dessa re­volta dos Ma­griços e do que foram capaz de re­a­lizar que se fala».

Ao longo do texto, Álvaro Cu­nhal vai in­ter­pe­lando os lei­tores, co­lo­cando im­por­tantes ques­tões. Ques­tões que são para todos os tempos, e para lei­tores de todas as idades: «Se algum de vocês fosse um Ma­griço, o que fazia?» «Se ti­vesses vi­vido nessa época, com quem es­ta­rias tu?» Ao ce­le­brar Abril de olhos postos no fu­turo, são estas as ques­tões a co­locar: pe­rante a re­a­li­dade, como trans­formá-la? E de que lado que­remos estar nessa trans­for­mação?

É exac­ta­mente sobre os lados em que es­tamos que nos fala a His­tória de Um Gordo Chinês Que Es­tava de Bar­riga para o Ar, pu­bli­cado no início deste mês. Este conto, es­crito du­rante a Guerra Civil de Es­panha para ser lido na Rádio Pe­nin­sular, re­trata a des­co­berta de Ma­nuel e Ma­ri­a­zinha, duas cri­anças tra­vessas e ra­binas de vi­sita à China, que não con­se­guiam per­ceber por que razão Pung-Chung, um se­nhor chinês muito rico e gordo, dono de muitas terras, pas­sava o tempo de bar­riga para o ar. Pung-Chung ex­plicou-lhes que tra­ba­lhava, e muito, e que se as cri­anças achavam fácil que se pu­sessem de bar­riga para o ar para ver como cansa. Foi um pobre cam­ponês que tra­ba­lhava nos nas terras de Pung-Chung que ex­plicou às duas cri­anças o que re­al­mente se pas­sava.

Este conto con­firma essa aná­lise à so­ci­e­dade bur­guesa pre­sente no Ma­ni­festo do Par­tido Co­mu­nista: «os que nela tra­ba­lham não ga­nham, e os que nela ga­nham não tra­ba­lham».

Estes dois li­vros de Álvaro Cu­nhal, agora pu­bli­cados com ilus­tra­ções ori­gi­nais de Su­sana Matos, vão ser apre­sen­tados neste sá­bado, às 18 horas, no Museu do Neo-Re­a­lismo, em Vila Franca de Xira, no final do co­ló­quio «Li­te­ra­tura Neo-Re­a­lista para a In­fância» que se re­a­liza in­te­grado na ex­po­sição «Miúdos, a vida às mãos cheias – A in­fância do Neo-Re­a­lismo por­tu­guês».




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