O canto de Abril

Nuno Gomes dos Santos

Can­ções antes e de­pois de Abril aju­daram a der­rubar o fas­cismo

No dia 25 de Abril, a meio da manhã, em Al­mada, na Praça do Mo­vi­mento das Forças Ar­madas, di­ante do Mo­nu­mento aos Per­se­guidos, so­avam pa­la­vras co­me­mo­ra­tivas lem­brando a data, com bandas de mú­sica pelo meio, mais ban­deiras de as­so­ci­a­ções e co­lec­ti­vi­dades, re­pre­sen­tantes das forças vivas do con­celho, au­tarcas e muito povo os­ten­tando cravos ver­me­lhos nas la­pelas ou em­pu­nhados apenas, gente de todas as idades lem­brando o dia ou mos­trando ter apren­dido o que da Re­vo­lução dos Cravos lhes foi trans­mi­tido. Era a tra­di­ci­onal Ho­me­nagem aos Per­se­guidos, or­ga­ni­zada pelas fre­gue­sias e pelo mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo al­ma­dense, uma ho­me­nagem aos que deram muito, al­guns até a pró­pria vida, para pôr fim à di­ta­dura e criar os ali­cerces para que a Li­ber­dade pu­desse ser des­fral­dada numa ma­dru­gada feliz.

Coube ao pre­si­dente da União das Fre­gue­sias de Al­mada, Cova da Pi­e­dade, Pragal e Ca­ci­lhas falar em re­pre­sen­tação das fre­gue­sias do con­celho. E falou dos que so­freram para que Abril nas­cesse. E falou da Li­ber­dade. E quando disse da Li­ber­dade que ali, na­quele mo­mento, se vivia e se pra­ti­cava, citou Sérgio Go­dinho, can­tando «a Li­ber­dade está a passar por aqui». O au­tarca no uso da pa­lavra cantou esse pe­daço de canção, assim pro­vando que houve can­ções nas­cidas antes e de­pois do 25 de Abril que, também elas, aju­daram a der­rubar o fas­cismo e, de­pois, de­sem­pe­nharam o seu papel, im­por­tante, na cons­trução da De­mo­cracia e na de­fesa da Li­ber­dade.

An­dámos por aí, de gui­tarras em punho e vozes ge­ne­rosas, em es­colas e co­lec­ti­vi­dades, jo­gando às es­con­didas (nem sempre bem su­ce­didos...) com a PIDE, pro­cla­mando ideias e so­nhos, ri­mando vida com fu­turo, de­nun­ci­ando os «vam­piros», os «olhos e ou­vidos do im­pe­rador», a guerra in­justa a que con­de­navam os jo­vens obri­gados a ser «sol­da­di­nhos» que, tantas e tantas vezes vol­tavam numa «caixa de pinho». E a cen­sura, as pri­sões po­lí­ticas, a enorme mor­daça que pre­tendia calar todo um povo. As can­ções «pas­savam de mão em mão», os re­frões eram can­tados em coro por pla­teias que ali­men­tavam a es­pe­rança can­tando em «cantos li­vres» quase sempre clan­des­tinos.

No dia 29 de Março de 1974, no Co­liseu dos Re­creios de Lisboa, num es­pec­tá­culo de can­tigas or­ga­ni­zado pela Casa da Im­prensa, pe­rante uma sala a abar­rotar, o Zeca Afonso deu a co­nhecer «Grân­dola, Vila Mo­rena». Foi can­tada pelos can­tores pre­sentes com o en­tu­si­asmo e a raiva de não terem po­dido cantar, por terem sido cen­su­radas, a maior parte das suas pró­prias can­ções. «Grân­dola» foi, logo a se­guir a «E De­pois do Adeus», o sinal trans­mi­tido pela rádio para que os sol­dados avan­çassem, assim co­me­çando o Dia da Li­ber­dade. Uma can­tiga a dar voz de co­mando às tropas!

Zeca, Adriano, Ma­nuel Freire, Le­tria, Sa­muel, Vi­to­rino, Fausto, Zé Mário, Sérgio, Carlos Moniz, Am­paro, Fa­nhais, Cília, Carlos Pa­redes (só não ia a todas, como so­lista ou hu­milde acom­pa­nhante, porque era im­pos­sível...), Luísa Basto (antes em disco e de­pois ao vivo), Er­me­linda Du­arte, José Ba­rata Moura, ou ainda Carlos Mendes, Paulo de Car­valho, Fer­nando Tordo e muitos mais (a quem peço des­culpa por não os no­mear, mas a lista é grande de­mais para caber aqui) foram grandes res­pon­sá­veis pelo Canto de Abril. Que per­dura e re­nasce de cada vez que re­cla­mamos nas ruas contra a «ca­ri­da­de­zinha» ou pro­cla­mamos que de­fen­demos «o tra­balho contra o ca­pital», ou ga­ran­timos que «o povo é quem mais or­dena!»




Mais artigos de: Argumentos

O desvio

Segundo havia sido anunciado na imprensa (que decerto não inventara a informação) o tema a abordar pelo «Prós e Contras» da passada segunda-feira seria «O valor do salário». Era um assunto apetitoso, digamos assim, e porque se estaria na véspera do Dia do Trabalhador fazia sentido. Talvez a reforçar expectativas, no...

Revogar a lei dos despejos

O processo de liberalização das rendas e dos despejos, iniciado pelo governo do PS em 2006, foiagudizado pelo anterior governo PSD/CDS e fragilizou e precarizou os direitos dos inquilinos. Por proposta do PCP, vai ser amanhã discutida na Assembleia da República a revogação da lei dos...