Dança com o Diabo

António Santos

Pa­recem não ter fim os dias ter­rí­veis que apertam Trump numa tenaz de es­cân­dalos e ile­ga­li­dades: o an­tigo chefe de cam­panha do pre­si­dente es­tado-uni­dense, Paul Ma­na­ford, foi con­de­nado por oito crimes de fraude e evasão fiscal; o ex-ad­vo­gado, Mi­chael Cohen, ad­mitiu a culpa por graves vi­o­la­ções da lei elei­toral e apontou o dedo ao co­man­dante-em-chefe; o pre­si­dente exe­cu­tivo do Na­ti­onal En­quirer e amigo pes­soal de Trump, David Pecker, chegou à barra do tri­bunal por operar uma rede ilegal de compra e ocul­tação de in­for­ma­ções pes­soais, e gro­tescas, sobre Trump; a ex-di­rec­tora do Ga­bi­nete de Re­la­ções Pú­blicas e as­sis­tente do pre­si­dente, Oma­rosa Ma­ni­gault, bateu com a porta da Casa Branca dando à es­tampa um livro que re­vela um pre­si­dente ra­cista, se­xista e de­mente; outro livro, da au­toria do jor­na­lista Bob Wo­odward, pu­bli­cado esta se­mana, le­vanta mais o véu sobre o clima de guerra pa­la­ciana que se res­pira na in­fame ala oci­dental.

Mas mais do que os casos em si, am­pla­mente no­ti­ci­ados pelas agên­cias in­ter­na­ci­o­nais, deve-nos in­te­ressar o sig­ni­fi­cado po­lí­tico da forma como o Par­tido De­mo­crata (PD) faz a guerra a Trump. Para a com­pre­ensão do mo­mento his­tó­rico e lei­tura dos in­te­resses em jogo, des­tacam-se três no­tí­cias que me­re­ceram muito menos atenção me­diá­tica: a de­cisão do apa­relho do PD em afastar, por agora, o ce­nário de des­ti­tuição do pre­si­dente; o can­ce­la­mento da vi­agem da co­mi­tiva en­ca­be­çada por Mike Pompeo à Re­pú­blica Po­pular De­mo­crá­tica da Co­reia e, fi­nal­mente, o ali­nha­mento do PD com a po­lí­tica fiscal, or­ça­mental e mi­gra­tória de Trump.

Par­tido único e bi­cé­falo

Ou seja, a frac­tura po­lí­tica no seio da classe do­mi­nante nunca foi tão pro­funda, mas não se prende com con­si­de­ra­ções éticas sobre cri­anças em jaulas e, por outro lado, o PD re­ceia mais o que tem a perder do que am­bi­ciona o que tem a ga­nhar. O ca­pital re­pre­sen­tado pelo par­tido do burro re­ceia, por exemplo, pôr em causa a des­re­gu­la­men­tação da eco­nomia, as be­nesses fis­cais para os multi-mi­li­o­ná­rios e a mi­li­ta­ri­zação da fron­teira com o Mé­xico. A des­ti­tuição de Trump fra­gi­li­zaria as po­lí­ticas que agradam aos de­mo­cratas e des­po­le­taria uma re­volta da ex­trema-di­reita que as­susta os de­mo­cratas.

A es­tra­tégia do PD con­siste por­tanto em des­po­li­tizar a luta contra Trump e re­duzi-la a ata­ques pu­bli­ci­tá­rios e ju­di­ciais, ven­cendo assim as elei­ções deste ano para as duas câ­maras do Con­gresso e pas­sando o ónus da des­ti­tuição para a in­ves­ti­gação li­de­rada por Ro­bert Mu­eller.

Pe­rante a rá­pida emer­gência do fas­cismo nos EUA, o PD mostra-se ora ti­tu­be­ante, ora me­droso, ora de­sin­te­res­sado, ora ine­ficaz. Afinal, é maior aquilo que os une do que aquilo que os se­para. A única linha ver­melha tra­çada pelos de­mo­cratas é a re­o­ri­en­tação da po­lí­tica im­pe­ri­a­lista. A uma só voz, Pen­tá­gono, Wall Street e PD dei­xaram claro que não ad­mi­tirão a guerra co­mer­cial que os sec­tores pró-Trump do ca­pital pre­tendem apro­fundar. Na mesma linha, não lhes in­te­ressa a paz na pe­nín­sula co­reana, nem no Médio Ori­ente, nem na Rússia.

Tal como sempre acon­teceu ao longo da His­tória, a bur­guesia não trava o fas­cismo. Os de­mo­cratas ne­go­ceiam com Trump o que in­te­ressa ao ca­pital, fe­cham os olhos ao que in­te­ressa aos tra­ba­lha­dores e re­duzem a enorme ameaça que paira sobre a hu­ma­ni­dade a um jogo de luzes e es­cân­dalos e tri­bu­nais. É uma dança com o Diabo que co­nhe­cemos de­ma­siado bem.




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