As prisões políticas de Angra do Heroísmo

José Manuel Vargas

Po­terna, Ca­lejão e Furnas são nomes ne­gros da his­tória da re­pressão fas­cista

Quando se evocam as pri­sões po­lí­ticas do re­gime fas­cista, os nomes que acodem à me­mória são o Al­jube, os fortes de Pe­niche e Ca­xias e o campo de con­cen­tração do Tar­rafal. Quase caídos no es­que­ci­mento co­lec­tivo en­con­tram-se ou­tras, em que a di­ta­dura mi­litar e fas­cista apri­si­onou e quis si­len­ciar mi­lhares de de­mo­cratas. Duas dessas, hoje pouco lem­brados, são a For­ta­leza de São Bap­tista (Cas­telo) e o Forte de São Se­bas­tião (Cas­te­linho), em Angra do He­roísmo, na Ilha Ter­ceira, nos Açores.

A pri­meira foi cons­truída no Monte Brasil, so­bran­ceiro ao porto de Angra, du­rante a di­nastia fi­li­pina. Aí es­ti­veram pri­si­o­neiros, entre ou­tros, o rei D. Afonso VI e o ré­gulo Gun­gu­nhana. Com a «apro­vação» por ple­bis­cito da Cons­ti­tuição de 1933, se­guiu-se a cri­ação do Tri­bunal Mi­litar Es­pe­cial (TME), da PVDE e a pu­bli­cação do De­creto-Lei n.º 23 203, que ins­ti­tuiu penas e me­didas de se­gu­rança para presos por de­litos po­lí­ticos. Pouco de­pois, eram trans­fe­ridos para a For­ta­leza de S. João Bap­tista cerca de cen­tena e meia de presos, ditos «per­ni­ci­osos», que se en­con­travam nas ca­deias do con­ti­nente. Eram, na sua mai­oria, co­mu­nistas.

A 8 de Se­tembro de 1934, foram para aí trans­por­tados os pri­meiros con­de­nados por terem par­ti­ci­pado na greve de 18 de Ja­neiro. O Cas­telo so­freu re­mo­de­la­ções para alojar as cen­tenas de pri­si­o­neiros. As ca­va­la­riças foram adap­tadas a ca­ma­ratas e a uni­dade mi­litar ali aquar­te­lada passou a ter como função prin­cipal a guarda de presos. Uma outra leva ocorreu em 8 de Junho de 1935, que in­cluía Sérgio Vi­la­ri­gues.

Este, numa en­tre­vista de 1999, re­cordou: «Por tudo e por nada se era es­pan­cado e me­tido na Po­terna, um bu­raco com oito me­tros de pro­fun­di­dade onde, em pleno Verão, es­corria água na es­ca­daria, no Ca­lejão, que tinha sido in­ter­dito para a es­tadia de ca­valos, por não ter con­di­ções para tal, mas passou a ter para guardar presos, pelo menos em pe­ríodos de cas­tigo, e nas ditas Furnas, uma es­pécie de cano de pedra, onde me­tiam presos, e mesmo que não cou­bessem, ti­nham de en­trar à co­ro­nhada pelas forças da GNR que, então, con­tac­tavam mais di­rec­ta­mente os presos.»

Em 23 de Ou­tubro de 1936, chegou a Angra o navio Lu­anda com cerca de 152 presos, a mai­oria dos quais im­pli­cados na Re­volta dos Ma­ri­nheiros, mas também Bento Gon­çalves, Se­cre­tário-geral do PCP e que iam inau­gurar o Campo de Con­cen­tração do Tar­rafal.

Pre­servar a me­mória

Em 1939, no início da II Guerra Mun­dial, por ser muito ele­vado o nú­mero de pri­si­o­neiros na For­ta­leza de S. João Bap­tista e o facto de parte das ins­ta­la­ções serem ne­ces­sá­rias para os mi­li­tares levou a que os presos co­me­çassem a ser trans­fe­ridos para o fortim de S. Se­bas­tião, nos ar­re­dores de Angra. Este, dito Cas­te­linho, cons­truído cerca de 1670 e

re­e­di­fi­cado em 1698, teve uma quase des­co­nhe­cida uti­li­zação como prisão po­lí­tica entre 1939-1943, de que nos fi­caram al­guns re­latos de pri­si­o­neiros como An­tónio Es­trela ou Lud­gero Pinto Basto, que lem­brava: «Nós só po­díamos vir cá para fora para o re­creio, creio que era uma hora, e de­pois não po­díamos chegar às ja­nelas porque as sen­ti­nelas não dei­xavam, che­garam uma vez a atirar uns tiros para dentro das celas (…).»

O «De­pó­sito de Presos» de Angra seria en­cer­rado em 1943 de­vido à pre­sença de mi­li­tares in­gleses e ame­ri­canos na Base das Lajes que de­nun­ci­aram a si­tu­ação que punha em evi­dência o ca­rácter re­pres­sivo do re­gime.

Pas­sados 75 anos sobre a de­sac­ti­vação das pri­sões po­lí­ticas de Angra e não sendo já vi­sí­veis os ves­tí­gios edi­fi­cados dos es­paços de en­car­ce­ra­mento e tor­tura, é ne­ces­sário re­cons­ti­tuir e pre­servar a me­mória desse pe­ríodo negro da his­tória.




Mais artigos de: Argumentos

A viragem

Ao fim do serão do passado sábado, a RTP transmitiu o filme «Stalinegrado», de Fiodor Bondarchuck, e esse facto merece registo por alguns motivos. Um deles é a circunstância de ser um filme russo, e bem se sabe que tudo o que vem da Rússia tem agora uma espécie de conotação pestífera quase tão intensa quanto a que...