O direito da Palestina a existir

Gustavo Carneiro

Is­rael des­res­peita su­ces­sivas re­so­lu­ções das Na­ções Unidas

As­si­nala-se hoje, 29 de No­vembro, o Dia In­ter­na­ci­onal de So­li­da­ri­e­dade com o Povo Pa­les­ti­niano. A data foi ins­ti­tuída pela Or­ga­ni­zação das Na­ções Unidas (ONU) para evocar a apro­vação pela As­sem­bleia-geral, em 1947, da Re­so­lução 181, que di­vidia a Pa­les­tina do Man­dato Bri­tâ­nico em dois es­tados, um judeu e um árabe (o pri­meiro em 56,47 por cento do ter­ri­tório e o se­gundo em 42,88 por cento). Je­ru­salém fi­caria como corpus se­pa­ratum, sob ad­mi­nis­tração in­ter­na­ci­onal. Este não foi o pri­meiro plano de par­tilha da Pa­les­tina.

Desde o final da Pri­meira Guerra Mun­dial que os árabes aguar­davam o cum­pri­mento das ga­ran­tias de in­de­pen­dência feitas pelos Ali­ados,que na ver­dade apoi­avam as pre­ten­sões si­o­nistas de es­ta­be­lecer, ali, um Es­tado judeu. Du­rante o Man­dato Bri­tâ­nico na Pa­les­tina (1920-1948) fa­vo­receu-se o êxodo de ju­deus eu­ro­peus, ao mesmo tempo que se re­primiu vi­o­len­ta­mente as rei­vin­di­ca­ções dos pa­les­ti­ni­anos: es­tima-se em cerca de 50 mil os pa­tri­otas pa­les­ti­ni­anos as­sas­si­nados neste pe­ríodo.

Planos e pro­jectos

As po­pu­la­ções pa­les­ti­ni­anas e os países árabes re­jei­taram o plano pro­posto pela ONU, con­si­de­rando-o ilegal, por negar aos povos o di­reito de de­ci­direm sobre o seu pró­prio des­tino. Con­tes­tavam ainda a en­trega da mai­oria do ter­ri­tório a uma mi­noria – à época, só menos de um terço da po­pu­lação da Pa­les­tina era com­posto por ju­deus, parte as­si­na­lável dos quais che­gados ao ter­ri­tório apenas nas dé­cadas an­te­ri­ores. Mas sob o im­pacto do re­púdio pelos crimes do nazi-fas­cismo contra os ju­deus, a Re­so­lução 181 foi apro­vada.

A Agência Ju­daica aceitou o plano, que lhe era cla­ra­mente fa­vo­rável, mas nunca pensou res­peitá-lo. Pouco pas­saria, aliás, para que o pro­jecto ex­pan­si­o­nista do Grande Is­rael do Nilo ao Eu­frates, que ainda hoje nor­teia os prin­ci­pais di­ri­gentes si­o­nistas, fosse posto em marcha: entre Maio de 1948 e Ja­neiro de 1949, Is­rael ocupou 78 por cento do ter­ri­tório da Pa­les­tina, ar­ra­sando cen­tenas de al­deias e pro­mo­vendo uma lim­peza ét­nica das po­pu­la­ções lo­cais.

De­pois da Nakba se­guiu-se a ocu­pação, em Junho de 1967, da Cis­jor­dânia e Faixa de Gaza, e os mas­sa­cres, se­gre­gação, re­pressão e ex­pulsão pra­ti­cados até hoje contra as po­pu­la­ções destes dois ter­ri­tó­rios.

Ar­gu­mentos fa­la­ci­osos

A ar­gu­men­tação si­o­nista e pró-si­o­nista sobre a ocu­pação da Pa­les­tina – tantas vezes apre­sen­tada sob o eu­fe­mismo de con­flito is­raelo-pa­les­ti­niano – ba­seia-se no di­reito de Is­rael a existir. Con­tudo, é o povo pa­les­ti­niano que con­tinua sem ter o seu Es­tado; é a Pa­les­tina que não tem exis­tência formal. Da mesma forma que é o povo pa­les­ti­niano que todos os dias é pri­vado dos seus mais ele­men­tares di­reitos e que cons­titui uma das mai­ores e mais an­tigas co­mu­ni­dades de re­fu­gi­ados do mundo.

O Es­tado pa­les­ti­niano que hoje se de­bate, no âm­bito da cha­mada «so­lução de dois Es­tados», não é o que está con­sa­grado na Re­so­lução 181 da As­sem­bleia-geral das Na­ções Unidas; cor­res­ponde, sim, aos ter­ri­tó­rios da Faixa de Gaza e Cis­jor­dânia, com ca­pital em Je­ru­salém Leste, a que apenas cor­res­ponde 22% do ter­ri­tório his­tó­rico da Pa­les­tina.

É a exis­tência deste Es­tado que Is­rael pro­cura in­vi­a­bi­lizar, rou­bando cada vez mais ter­ri­tório pa­les­ti­niano, cons­truindo co­lo­nados ile­gais e o Muro do Apartheid, ater­ro­ri­zando, ex­pul­sando e mas­sa­crando as suas po­pu­la­ções – pros­se­guindo o seu pro­jecto ex­pan­si­o­nista, con­ju­gado com o plano norte-ame­ri­cano de do­mínio do Médio Ori­ente.

E é por este Es­tado in­de­pen­dente, so­be­rano e viável que luta o povo pa­les­ti­niano e, com ele, mi­lhões em todo o mundo. A vi­tória, mais cedo do que tarde, che­gará!




Mais artigos de: Argumentos

Joseia Matos Mira: 20 anos de função literária

Joseia Matos Mira nasceu em Baleizão, Beja. Fez estudos de mestrado e doutoramento na Universidade McGill, em Montreal, Québec. Nessa mesma Universidade leccionou Literatura Francesa. Regressada a Portugal foi professora do Ensino Secundário e leccionou, no ISLA, Tradução, Literatura e Cultura...

Onde o mar é negro

Fiéis aos seus donos formais ou factuais, as operadoras ocidentais de televisão têm vindo a dar-nos da Ucrânia, país situado à beira do Mar Negro, não todas as notícias possíveis mas as que mais lhes agradam ou mais lhes convêm. Como bem se vem entendendo, a política do chamado Ocidente relativamente á Ucrânia é a de ter...