GNR militar, um anacronismo a que urge pôr fim

Rui Fernandes

A condição militar da GNR é parte do problema e não da solução

A GNR é, segundo a respectiva Lei Orgânica, «uma força de segurança de natureza militar constituída por militares organizados num corpo especial de tropas dotado de autonomia administrativa». Todavia, a missão da GNR é «defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos», no quadro do estipulado pelo art.º 272, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Ou seja, a missão da GNR é a garantia da ordem, da tranquilidade e da segurança públicas, a mesma que enforma a PSP, e são, no seu elenco, missões civis. A cooperação com as Forças Armadas processa-se no quadro do estabelecido na lei, do mesmo modo que o inverso. Às Forças Armadas incumbe a «defesa militar da República» (art.º 275, n.º 1, da CRP) «contra qualquer agressão ou ameaça externas» (art.º 273 da CRP). Temos, assim, que segurança interna e defesa nacional são realidades bem distintas.

O Comandante-Geral da GNR é autoridade de polícia e autoridade de polícia criminal, a exemplo, aliás, dos restantes postos superiores. Outra coisa não faria sentido. O problema está em que os cargos de oficial general são ocupados por oficiais oriundos do Exército. O carácter excepcional, consignado em legislação própria, a que deveria obedecer a colocação de oficiais das Forças Armadas, transforma-se em regra, originando que os oficiais oriundos da Guarda marquem passo.

A justificação apresentada é a de que não existem coronéis com as condições para promoção a oficial general. E, a prosseguirem os critérios que são usados, sempre se poderá dizer que nunca existirão. Impõe-se assim que seja posto fim a uma prática de anos.

Em 2007, era ministro da Administração Interna o actual primeiro-ministro, António Costa, que em entrevista ao Expresso se mostrou favorável à adopção de medidas que pusessem fim à continuação deste processo. Acontece que em Março de 2017 foi aprovado o novo estatuto da GNR e a questão mais uma vez não foi resolvida. Como é que um oficial general do Exército pode ter mais experiência e competência para comando de uma força com missão policial do que um oficial da Guarda com 20 ou mais anos de serviço?

Desmilitarizar

Começa a ser cada vez mais generalizada a opinião de que a condição militar da GNR é parte do problema e não da solução. Por outro lado, que sentido têm hoje expressões como o «militar da Guarda», aplicada a alguém que é polícia e exerce funções de polícia?

Que sentido tem um cidadão para tratar um mesmo problema deslocar-se num sítio a uma esquadra e, noutro, a um posto, consoante a área de competência das respectivas forças? E que sentido tem, perante as recorrentes dificuldades orçamentais que recorrentemente justificam atrasos na adopção de medidas em instalações, número de efectivos, viaturas, equipamento individual, manter duplicações?

É mais do que tempo de encetar, sem precipitações, a definição de um horizonte de concretização. É fantástico como é mantido um atavismo na resposta a problemas que contribuiriam para clarificações e minimização de dificuldades com que o País se confronta. Estudos recentes indicam uma poupança anual de 100 milhões de euros anuais com a unificação das duas forças.

A ausência de resposta aos problemas concretos que afectam os profissionais da GNR, bem como, de resto, os profissionais das restantes forças e serviços, é um dado adquirido. Em muitos casos falamos de ausência do mero cumprimento daquilo que está consagrado na legislação própria. E por isso o mal-estar manifesta-se.

O longo (mas curto) caminho percorrido pelos profissionais da GNR e pelos profissionais das forças e serviços de segurança e também os das forças armadas, mostra que, como disse Saint-Exupéry, «ainda que os teus passos pareçam inúteis, vai abrindo caminho, como a água que desce cantando da montanha. Outros te seguirão…».




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