Na escuridão

Correia da Fonseca

Bem se sabe que não são os únicos: os únicos que tra­ba­lham longe dos nossos olhos, um pouco es­que­cidos até que um dia chegam más no­tí­cias que os fazem lem­brados. Mas estes, os mi­neiros, pa­recem ser um pouco es­pe­ciais porque dia após dia de­sa­pa­recem da su­per­fície da terra, en­fiam-se em bu­racos solo abaixo numa es­pécie de mer­gulho na es­cu­ridão que sempre sus­cita al­guma es­tra­nheza, se não ins­tin­tiva re­cusa, a quase todos nós que me­lhor ou pior vamos vi­vendo à su­per­fície, sob a luz do sol quando há sol, à te­nuís­sima luz das es­trelas quando elas lá estão e não há tecto que nos se­pare delas. Não são os únicos que tra­ba­lham sem que os ve­jamos, mas são es­pe­ciais, os mi­neiros. E um dia chegam no­tí­cias que não são boas, como as que a te­le­visão nos trouxe no prin­cípio da se­mana: foi em Al­jus­trel, Alen­tejo, que um aci­dente no in­te­rior da mina pro­vocou a morte de um dos mi­neiros e fe­ri­mentos graves num outro. Não nos foi dito muito mais acerca de cada um deles, ao con­trário do que muito pro­va­vel­mente teria acon­te­cido se se tra­tasse de crime de morte, desses pe­rante os quais a te­le­visão pa­rece re­galar-se. Do mi­neiro morto sou­bemos que tinha pouco mais de qua­renta anos, mu­lher e fi­lhos que agora so­bre­vi­verão como deus queira, como é cos­tume dizer-se. O fe­rido grave é pos­sível que so­bre­viva, não sa­bemos é em que con­di­ções fí­sicas e ou­tras.

«O mais pre­cioso»

É por­tu­guês e pri­vado o ca­pital da em­presa que ex­plora as minas de Al­jus­trel, sendo ine­vi­tável, em­bora como hi­pó­tese de­sa­gra­dável mas ad­mis­sível, re­la­ci­onar o aci­dente com algum even­tual abran­da­mento nas normas de se­gu­rança fre­quen­te­mente re­la­ci­o­nado com ges­tões avaras e por isso pouco em­pe­nhadas em ga­rantir as mais se­guras con­di­ções de tra­balho. É que existe em al­gumas ac­ti­vi­dades in­dus­triais no nosso país o sen­ti­mento di­fuso de que uma gestão «eco­nó­mica» não tem de se pre­o­cupar ex­ces­si­va­mente com a se­gu­rança dos tra­ba­lha­dores, en­dos­sando para eles parte dos cui­dados ne­ces­sá­rios a que nada de grave lhes acon­teça. Neste caso da mina de Al­jus­trel já está em curso um inqué­rito vi­sando o apu­ra­mento de causas e res­pon­sa­bi­li­dades, mas bem se sabe que inqué­ritos destes não cos­tumam re­sultar em lím­pidas con­clu­sões. O mais im­por­tante, porém, será as­se­gurar que em Al­jus­trel ou em qual­quer outra ac­ti­vi­dade mi­neira não voltem a cair ele­va­dores nem sub­sistam quais­quer ou­tras cir­cuns­tân­cias pro­pi­ci­a­doras de luto e in­dig­na­ções tar­dias. A uma im­por­tan­tís­sima fi­gura do sé­culo XX é atri­buída a afir­mação de que «o homem é o ca­pital mais pre­cioso». Que esse en­ten­di­mento seja adop­tado por quantos têm a res­pon­sa­bi­li­dade de gestão no nosso país é não apenas fun­da­mental como deve ser acom­pa­nhado pela su­per­visão pú­blica.




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