Entre a gorjeta e a caridade

João Pimenta Lopes

Em todos os bares do Par­la­mento Eu­ropeu (PE) um copo apre­senta-se entre o cli­ente e o tra­ba­lhador que opera a caixa. Nele são de­po­si­tadas gor­jetas, na sua mai­oria as mo­edas de um a dez cên­timos, muitas vezes com um esgar pa­ter­na­lista que evi­dencia o sen­ti­mento de um grande feito ou favor. O sis­tema de gor­jetas é, desde sempre, uma forma, não de va­lo­ri­zação do tra­balho, mas de le­gi­ti­mação e am­pli­ação da ex­plo­ração. O que está con­tido nesse esgar diz muito sobre como a mai­oria do PE olha para os tra­ba­lha­dores. Re­corde-se por exemplo, neste man­dato, a proi­bição da greve dos in­tér­pretes ou o ca­minho tor­tuoso até à in­ter­na­li­zação dos mo­to­ristas. A gor­jeta sim­bo­liza também a visão as­sis­ten­ci­a­lista que desde o PE se aplica à in­ter­venção do Es­tado, seja nos di­reitos la­bo­rais e so­ciais e nas fun­ções so­ciais do es­tado, seja nas ditas ajudas a países em vias de de­sen­vol­vi­mento.

Na se­mana pas­sada re­a­lizou-se a úl­tima sessão do Par­la­mento Eu­ropeu (PE). Por pro­posta dos de­pu­tados do PCP dis­cutiu-se a trá­gica si­tu­ação com que se con­frontam Mo­çam­bique, Ma­lawi e Zim­bábue. Pela se­gunda vez em menos de um mês aler­támos para as gra­vís­simas con­sequên­cias do ci­clone Idai: a des­truição da ci­dade da Beira, as cen­tenas de mi­lhar de pes­soas afec­tadas, o cres­cente e sig­ni­fi­ca­tivo nú­mero de mortos, o risco de surtos epi­dé­micos. Aler­támos igual­mente para as imensas ne­ces­si­dades ao nível dos cui­dados de saúde, ali­men­tação, ha­bi­tação e alo­ja­mentos, co­mu­ni­ca­ções, trans­portes, lo­gís­tica, in­fra­es­tru­turas di­versas, pro­tecção civil, entre ou­tras. Ape­lámos ao au­mento sem de­mora da ajuda de emer­gência e à con­si­de­ração de ou­tras me­didas como a ca­na­li­zação de verbas do Fundo Eu­ropeu de De­sen­vol­vi­mento ou o can­ce­la­mento da dí­vida destes países. De­nun­ciámos a pobre «ajuda» da União Eu­ro­peia: 3,5 mi­lhões de euros num pri­meiro mo­mento, que che­gará ao má­ximo de 15,75 mi­lhões a dis­tri­buir pelos três países. Trata-se de uma mi­galha face às ne­ces­si­dades da­queles países (250 mi­lhões de euros se­gundo a ONU) e às pos­si­bi­li­dades da UE.

Ora, também na se­mana pas­sada, ocorreu o in­cêndio que des­truiu parte da Ca­te­dral de Notre Dame. Em dois dias foram an­ga­ri­ados quase mil mi­lhões de Euros para re­cons­truir a fa­mosa ca­te­dral. A chuva de do­na­tivos, vindos de fa­mí­lias mi­li­o­ná­rias e mul­ti­na­ci­o­nais como a Total, com fundos que em parte re­sultam do es­forço dos seus tra­ba­lha­dores e da ex­plo­ração de povos mar­cados pelo sub­de­sen­vol­vi­mento, con­trasta com a mi­galha para Mo­çam­bique. Não se quer pôr em causa a im­por­tância da re­cons­trução de tão im­por­tante mo­nu­mento, Notre Dame é im­por­tante. Mas não temos dú­vidas de que a vida de cen­tenas de mi­lhares de pes­soas que so­frem em Mo­çam­bique é muito mais. Pelos vistos não é esse o en­ten­di­mento da mai­oria do Par­la­mento Eu­ropeu. A úl­tima sessão ple­nária do PE ter­minou com uma iné­dita cai­xinha de do­a­ções à porta do ple­nário… para a re­cons­trução de Notre Dame. Uma dra­má­tica ilus­tração de que a dita so­li­da­ri­e­dade tão apre­goada pela UE nunca será mais que um copo de gor­jetas, uma tão fausta como pobre caixa de ca­ri­dade.




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