Museu da Resistência e da Liberdade é vitória do Portugal de Abril
PENICHE A grande festa popular que assinalou o 45.º aniversário da libertação dos presos políticos da cadeia do Forte de Peniche ocupou a tarde de 27 de Abril. Dois dias antes tivera lugar o acto oficial, no qual participaram o primeiro-ministro, António Costa, uma delegação do PCP, encabeçada pelo seu Secretário-geral, Jerónimo de Sousa, e outra da URAP.
No Memorial estão gravados os nomes dos 2510 presos que passaram por esta cadeia
Lembre-se que os últimos presos políticos do regime fascista foram libertados precisamente há 45 anos, sendo esse facto assinalado agora com a abertura da primeira fase deste espaço museológico.
Logo pela manhã do dia 27 que se sentia na cidade um ambiente de festa, com muita gente de cravo vermelho ao peito nas ruas e praças, enchendo cafés, repousando em esplanadas ou descansando o olhar na imensidão do oceano. Pouco antes das 15h00, o desfile promovido pela URAP deixou o Largo dos Bombeiros e caminhou até à Fortaleza. Dirigentes da URAP e antigos presos políticos da cadeia de alta segurança abriam o cortejo, segurando um pano onde se lia «25 de Abril Sempre, Fascismo Nunca Mais».
Os valores de Abril estão aqui
«Os valores de Abril estão hoje aqui presentes, neste dia de Festa para todos os democratas e amantes da liberdade. Uma dupla festa de importância e contribuição inegável para o reforço da democracia», começou por dizer Domingos Abrantes, antigo preso político, ex-dirigente do PCP e conselheiro de Estado, perante milhares de pessoas, de antigos presos políticos e familiares destes, para logo lembrar a efeméride que ali se celebrava: «No dia 27 de Abril de 1974, há 45 anos, por acção da população de Peniche, de muitos populares e famílias dos presos vindas de longe, dos militares de Abril e em particular do Comandante Machado dos Santos, que saudamos pelo seu papel corajoso na libertação dos presos, para que as portas da cadeia do Forte de Peniche – símbolo odioso da repressão fascista – se abrissem definitivamente para os presos perante a alegria da multidão que se tinha concentrado junto à Fortaleza. Uma acção que tem já a marca do que viria a ser a intervenção das massas na revolução».
Todavia, não nos podemos esquecer, frisou Domingos Abrantes, que «o próprio momento em que por todo o país multidões imensas ocupavam as ruas e as praças para vitoriar a conquista da liberdade, o general Spínola, que já tinha riscado do Programa do MFA a palavra democracia e colocado um ponto de interrogação na libertação dos presos, na qualidade de Presidente da Junta de Salvação Nacional, decidia manter a PIDE, nomear um novo director para a sinistra instituição e manter nas cadeias os presos políticos, que aqui em Peniche só viriam a ser libertados no fim do dia 27, vitória que também hoje aqui comemoramos, da melhor maneira».
A preservação das instalações da antiga cadeia é uma vitória da liberdade, da democracia e honra a memória de todos aqueles que se sacrificaram para que tivéssemos um país livre. Como se afirma no Memorial, na palavra do Prof. Borges Coelho (que aqui passou vários anos e momentos muito difíceis): «A Liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta Fortaleza».
As fugas foram parte
integrante da resistência
E continuou Domingos Abrantes: «O Memorial está organizado por ordem alfabética. Pouco importa como lutaram, quantos anos aqui passaram ou aquilo que sofreram.
Na sala contígua fica o Parlatório, «local onde foram praticados tantas arbitrariedades que não poupavam as próprias famílias. Igualmente lugar de agressões psíquicas e afectivas contra as crianças». Numa outra dependência, «presta-se a justa homenagem ao povo de Peniche como terra de resistência e de liberdade, como terra reprimida. Perpetua-se a memória dos penicheiros que passaram pelas cadeias fascistas, incluindo o Tarrafal, e do jovem pescador, Francisco de Sousa, assassinado pelo fascismo durante a revolta popular, em 1935, e cujos netos se encontram aqui presentes.
«A solidariedade da população de Peniche para com os presos e suas famílias, solidariedade material e política, em alguns aspectos decisiva, como no apoio a fugas e na cedência e acolhimento nas residências, regista páginas magníficas de coragem e de luta dos penicheiros contra o fascismo e que importa divulgar».
Temos ainda o Fortim, onde, segundo nos conta Domingos Abrantes, «funcionou o “Segredo”, destinado à aplicação dos mais duros castigos, evocam-se as fugas das prisões, sobretudo as mais audaciosas, como a de António Dias Lourenço, do “Segredo” para o mar, em 1954, e a de Álvaro Cunhal e seus companheiros, do Pavilhão C, em 1960, local onde ficará depois assinalada quando da instalação definitiva do Museu. As fugas das cadeias fascistas são parte integrante da resistência».
O comunista chamou a atenção para o empenho e persistênciada URAP que nunca desistiu e soube ultrapassar as dificuldades (em conjunto com o anterior Executivo Municipal de Peniche e outras instituições): «Quando, em 2013, integrado nas comemorações do 25 de Abril, a URAP, numa parceria com a Câmara Municipal de Peniche, completou o levantamento, nome a nome, de quantos aqui estiveram, era difícil prever os obstáculos e incertezas que seria preciso ultrapassar para aqui chegarmos.»
E pergunta: «Este é o museu que vamos ter, pela luta e pelo quadro político que se criou. Mas não podemos deixar de nos interrogar, até pelas suas consequências: como foi possível que tivessem decorridos quarenta e três anos e existido vinte governos até aqui chegar sem museu?»
E, em jeito de conclusão, uma ideia para a ministra da Cultura, que também usou da palavra para realçar o trabalho da URAP e o valor que o Museu representa: «Sabemos as exigências do trabalho que temos pela frente, mas é chegada a hora de se erguer um monumento nacional, num local público e digno, em honra da luta pela liberdade, em memória dos muitos milhares que passaram pelas cadeias fascistas, dos que foram assassinados, dos que lutaram ou morreram na Guerra de Espanha, na Resistência francesa, nos campos de concentração nazis. Portugueses que, tal como em Portugal, ao lutarem contra o fascismo noutros países, lutaram pela nossa liberdade e resgataram o nome de Portugal da ignomínia fascista. Um objectivo que, a concretizar-se, seria uma muito boa forma de comemorar o 50.º aniversário do 25 de Abril».
Entretanto, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, referiu-se ao novo museu «como um símbolo maior da resistência ao fascismo». Será , sublinhou, um «Museu Nacional, nosso, para todos nós, não como um lugar de peregrinação mas um lugar de ensinamento e conhecimento».
O programa, rico e intenso, acolheu ainda os cantores Gisela João e Fernando Tordo, a declamação poética de Luísa Ortigoso e os coros Amigos do Barreiro e Ceifeiras de Pias, além do insubstituível coro Fernando Lopes-Graça.
No acto oficial da inauguração, no dia 25 de Abril, onde pontuou o descerramento do Memorial, participaram o primeiro-ministro, a ministra da Cultura, membros da URAP e da CICAM, bem como uma delegação do PCP, que incluiu o Secretário-geral, outros dirigentes e deputados do Grupo Parlamentar do PCP.
Presentes também ex-presos políticos, que estiveram encerrados na cadeia do Forte de Peniche, destacando-se, entre muitos outros, António Gervásio, Domingos Abrantes (que interveio em nome dos ex-presos políticos), Manuel Pedro, José Pedro Soares e Adelino Silva, além de numerosos populares de Peniche que quiseram acompanhar aquele acto.
Homenagem junto ao Forte de Caxias
Realizou-se no passado dia 26 de Abril, junto ao portão do Reduto Norte do Forte de Caxias, uma homenagem aos ex-presos políticos que passaram por aquela cadeia e aos militares de Abril.
A iniciativa, que partiu da Câmara Municipal de Oeiras e teve o apoio da Associação do 25 de Abril e a participação da URAP e de outras entidades e associações, juntou cerca de duas centenas de pessoas, entre as quais dezenas de ex-presos políticos, muitos deles que ali estavam encarcerados no dia 25 de Abril de 1974.
Este foi mais um momento de emoção e grande significado neste 45.º aniversário do 25 de Abril preenchido com a actuação de um coro juvenil, a leitura de um texto da resistência acompanhado de uma coreografia envolvendo dezenas de crianças, o descerrar de uma placa alusiva à libertação dos presos políticos pelo fascismo, por diversas intervenções, nomeadamente da ministra da Justiça, tendo sido ainda dado a conhecer o projecto escolhido para um monumento de homenagem aos militares de Abril e aos ex-presos políticos, a erguer junto à estação da CP de Caxias, da autoria de Sérgio Vicente, professor da Escola de Belas Artes.