A «política»

Henrique Custódio

A política, no conceito da democracia burguesa, significa volubilidade e cobre uma infinidade de atropelos antidemocráticos. Diz-se uma coisa e o seu contrário? É «política». Negoceia-se sem princípios ou ética? É «política». Renegam-se compromissos assumidos? É «política». Promete-se e não se cumpre? É «política».

E por aí fora, na senda do infinito, aceitando-se a coisa como algo de «senso comum», outra expressão de passepartout, como se chamava o criado de A Volta ao Mundo em 80 Dias.

Com a chantagem à Assembleia da República do primeiro-ministro António Costa, ao ameaçar demitir-se se for aprovada em plenário a devolução aos professores dos nove anos e quatro meses de carreiras congeladas (e já aprovada por todos os partidos em comissão, à excepção do PS), certos partidos começaram a praticar a tal «política» a granel e a todo o vapor.

O PS, responsável directo pela crise aberta na governação, faz contas para baterem certo com os ditames de Bruxelas e conclui que as «contas certas» iriam ao ar com os 650 milhões de euros/ano previstos nas contas de Centeno para «pagar aos professores» (como se não houvesse tantas e outras contas). Entretanto, o PS regressa ao famoso «não há alternativa» de Passos Coelho, imbecilidade doutrinária que, noutra «política», o PS combateu, com o seu Governo. Mas a jogada real do PS só procura é melhorias eleitorais...

Nem o Bloco de Esquerda resistiu a quase praticar «política», ao tergiversar incialmente em garantir o seu voto a favor dos professores, embora mais tarde fosse, finalmente, taxativo a esse respeito.

Mas quem praticou «política» à grande e à francesa foram o PSD e o CDS, quando decidiram votar na AR a devolução do tempo de serviço congelado aos professores.

O PSD ficou com tanta «política» atravessada no gorgomilo que, após a votação na quinta-feira, não se ouviu uma palavra de Rui Rio sobre o assunto, até surgir a promessa de que «falaria no domingo». Acossados até por correligionários, que não lhes perdoam terem votado «ao lado dos comunistas», os dirigentes do PSD andaram atarantados à procura de safa, até Rui Rio, no tal domingo, recuar no apoio aos professores com triunfal farronca.

Quanto ao CDS, há muito que Assunção Cristas considera a «política» burguesa o seu cesto de costura, cerzindo o que lhe passa pela cabeça sobre o tecido da realidade. Até «desvotando» o que votou, em mais uma arrecua desavergonhada.

Fica para o fim quem tem, de facto, princípios democráticos: o PCP. Sem tergiversações, disse que o seu

compromisso é sempre com os trabalhadores e o povo.

Sem surpresa, é o único que não anda aqui com «política» e «politiquices».




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