Acalmia enganadora

Luís Carapinha

A ci­meira de Osaka con­firma a ten­dência de es­va­zi­a­mento do G20

Uma certa te­a­tra­li­zação de tré­guas des­prende-se da re­cente ci­meira do G20 no Japão. É no­tória a exis­tência de sé­rias con­tra­di­ções e di­ver­gên­cias, aflo­rando em ques­tões como o co­mércio e o clima, que aliás trans­pa­recem no co­mu­ni­cado final, apesar da gi­nás­tica an­fi­triã para limar arestas. Mas, em Osaka, Trump optou por uma pausa na es­ca­lada con­fron­ta­ci­o­nista e im­po­si­tiva a que não têm es­ca­pado as pró­prias re­la­ções entre os EUA e os «ali­ados» da tríade im­pe­ri­a­lista. Lembre-se, a este res­peito, o final iné­dito da úl­tima ci­meira do G7, em am­bi­ente de cris­pação e in­sultos pes­soais, com a não apro­vação da de­cla­ração final.

O G20 nasceu em 1999, ba­si­ca­mente, da ne­ces­si­dade do G7 de aco­modar os países emer­gentes e res­ponder à di­nâ­mica de de­sen­vol­vi­mento de­si­gual, ca­rac­te­rís­tica do ca­pi­ta­lismo, e, por outro lado, de en­qua­drar a as­censão im­pe­tuosa da China, cuja cen­tra­li­dade no pro­cesso de vasta re­ar­ru­mação de forças no mundo já des­pon­tava. É no pico da grande re­cessão mun­dial que o for­mato do G20 se afirma na cena in­ter­na­ci­onal como fórum pri­vi­le­giado de ar­ti­cu­lação eco­nó­mica, su­plan­tando o G7+1 (ainda com a Rússia, na con­dição de par­ceiro menor). Con­tudo, as con­clu­sões da ci­meira de 2008, em es­pe­cial as pro­messas de um novo pa­tamar de co­o­pe­ração eco­nó­mica in­ter­na­ci­onal e da im­ple­men­tação de re­gras aper­tadas de re­gu­lação dos mer­cados fi­nan­ceiros, como seria de es­perar não pas­saram do papel. Os bancos dos EUA pos­suem hoje 12 por cento mais em de­ri­va­tivos fi­nan­ceiros do que no início da crise de 2007/​8, per­fa­zendo cerca do dobro do PIB mun­dial!

Osaka con­firma a ten­dência de es­va­zi­a­mento e ino­pe­rância do G20. A sua frag­men­tação ficou pa­tente no peso e pro­fusão de en­con­tros bi­la­te­rais e mul­ti­la­te­rais. Entre os úl­timos, des­taque para o do BRICS, apesar de Bol­so­naro e sua pos­tura de vas­sa­lagem aos EUA, do RIC (Rússia, Índia e China) e da China e países afri­canos pre­sentes. No plano bi­la­teral, as aten­ções cen­traram-se nas reu­niões de Trump com Xi Jin­ping e Pútin.

Com o fim da in­ves­ti­gação do pro­cu­rador Mu­eller, o diá­logo com a Rússia foi de certa forma re­to­mado. Mas as re­la­ções entre os dois países per­ma­necem no ponto mais baixo da his­tória. In­sig­ni­fi­cantes no plano eco­nó­mico, em quase tudo o resto é ta­refa árdua es­capar à crua rota de co­lisão, das san­ções anti-russas e des­truição por Washington dos acordos de con­trolo de ar­ma­mentos, à ex­pansão da NATO e ‘con­fli­tos’ na Ucrânia, Síria, Irão, Ve­ne­zuela, etc.

O anúncio do re­gresso às ne­go­ci­a­ções na guerra co­mer­cial dos EUA contra a China cons­ti­tuiu o prin­cipal re­sul­tado do en­contro no Japão. Porém, com­pa­ra­ti­va­mente com a úl­tima ‘tré­gua’, há pouco mais de meio ano, no G20 da Ar­gen­tina, a fas­quia das ta­rifas e me­didas dis­cri­mi­na­tó­rias de Trump está a um nível mais ele­vado. Pe­quim tem man­tido fir­meza nas li­nhas ver­me­lhas e os EUA acusam o efeito bo­o­me­rang da sanha ta­ri­fária. Em­bora em Washington se alargue o con­senso em torno da ne­ces­si­dade de en­frentar o de­safio es­tra­té­gico re­pre­sen­tado pela China, a questão con­fli­tiva é fazê-lo sem pisar o pri­mado dos ne­gó­cios e a ló­gica do lucro. A pro­cissão ainda vai no adro, mas poucos du­vidam das graves re­per­cus­sões da es­piral da guerra co­mer­cial – na es­sência da ten­ta­tiva de con­tenção da China – na eco­nomia e po­lí­tica in­ter­na­ci­o­nais.




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