«Esta é uma banda que se assume como política e revolucionária»

CUL­TURA Tiago Santos é in­vul­gar­mente ta­xa­tivo: «Nós acre­di­tamos no valor trans­for­mador da mú­sica.» Esta é a jus­ti­fi­cação que dá para o tra­balho da Hill’s Union, que do­mingo actua no Au­di­tório 1.º de Maio.

«Que­remos des­pertar cons­ci­ên­cias e honrar a luta de Joe Hill»

Esta for­mação apre­senta um re­por­tório ins­pi­rado no mú­sico e sin­di­ca­lista Joe Hill e que se propõe ho­me­na­gear, do­mingo ao prin­cípio da tarde, o mestre da folk, Pete Se­eger, no ano que as­si­nala os 100 anos do nas­ci­mento de um cantor de re­fe­rência para a cul­tura po­pular norte-ame­ri­cana. Tiago ex­plica em en­tre­vista ao Avante! as ori­gens da Hill’s Union e a razão da sua exis­tência: «O nosso ob­jec­tivo é po­lí­tico, esta é uma banda que se as­sume como po­li­tica e re­vo­lu­ci­o­nária, que­remos des­pertar cons­ci­ên­cias e honrar a luta de Joe Hill e, com ele, de tantos sin­di­ca­listas e re­vo­lu­ci­o­ná­rios que deram a vida pela causa da li­ber­dade e da jus­tiça».

Avante! – O nome do vosso grupo, Hill’s Union, re­mete di­rec­ta­mente para o nome de Joe Hill, um sin­di­ca­lista, emi­grado nos Es­tados Unidos, do início do sé­culo XX, que uti­lizou a sua ca­pa­ci­dade de fazer po­emas e le­tras de can­ções para mo­bi­lizar tra­ba­lha­dores para a luta contra os abusos do pa­tro­nato. Pete Se­eger, que pre­tendem ho­me­na­gear no es­pec­tá­culo da pró­xima Festa do Avante!, é, por seu lado, a prin­cipal fi­gura da folk norte-ame­ri­cana. De onde vos veio essa paixão pela folk dos Es­tados Unidos?

Tiago Santos – A razão prin­cipal da nossa opção teve a ver com a ne­ces­si­dade de querer dar a co­nhecer a vida e a obra de Joe Hill, como re­vo­lu­ci­o­nário, mú­sico e poeta. De­pois do nosso con­tacto com a sua his­tória houve de ime­diato uma grande iden­ti­dade. Nós acre­di­tamos no valor trans­for­mador da mú­sica, no seu poder de des­pertar as cons­ci­ên­cias e de através dela mudar o mundo à nossa volta. E o Joe Hill per­so­ni­fica essa linha de pen­sa­mento e essa pos­tura re­vo­lu­ci­o­nária pe­rante a vida e a mú­sica.

Mas ra­pi­da­mente per­ce­bemos que o Joe Hill era uma fi­gura to­tal­mente des­co­nhe­cida entre nós, para o pú­blico e para muitos mú­sicos do nosso meio. Pa­recia que só nós e o Ruben de Car­valho sa­bíamos quem era Joe Hill e o que ele re­pre­sen­tava. E esse foi o grande im­pulso para esta aven­tura, dar a co­nhecer quem foi Joe Hill, o que re­pre­senta, como viveu e como morreu.

Como (e quando) é que vos surgiu a ideia de fundar uma banda com esta re­fe­rência es­pe­cí­fica a Joe Hill?

Há cerca de uns cinco ou seis anos de­sen­volvi uma grande paixão pelos blues e em par­ti­cular o blues folk do Delta, de­pois de já andar en­vol­vido com a mú­sica negra desde os anos 90, sempre com uma grande li­gação à soul, funk e jazz. Foi de tal ma­neira que ad­quiri uma gui­tarra folk para aprender al­guma da lin­guagem. Nesse pe­ríodo de des­co­berta en­trei em con­tacto com a obra de Joe Hill.

Ao falar dessa per­so­nagem his­tó­rica e des­co­nhe­cida com os mú­sicos Rui Gal­veias e Pedro Sal­vador, os mem­bros ori­gi­nais dos Hill´s Union, de­se­nhou-se nas nossas ca­beças esse grupo que ini­ci­al­mente can­tava e adap­tava as can­ções de Joe Hill, para uma au­di­ência dos dias de hoje. O que fazia todo o sen­tido porque ainda en­con­tramos muitos pa­ra­le­lismos entre a nossa re­a­li­dade e as pa­la­vras e can­ções do Joe Hill.

E a ideia do es­pe­tá­culo sobre Pete Se­eger?

A ideia do es­pec­tá­culo do Pete Se­eger também surge de forma na­tural neste ano de ce­le­bração dos 100 anos do seu nas­ci­mento. O Ruben tinha von­tade de fazer na Festa do Avante! um es­pec­tá­culo co­me­mo­ra­tivo e o Alain Va­chier, o nosso agente, re­co­mendou-nos pela nossa li­gação ao re­per­tório folk de Joe Hill. Foi para nós uma honra e uma enorme ale­gria fazer parte da Festa e fazer parte desta ce­le­bração.

A vossa mú­sica é muito vezes mais eléc­trica do que o som acús­tico de Joe Hill ou de Pete Se­eger. Essa maior agres­si­vi­dade so­nora é me­ra­mente cir­cuns­tan­cial ou tem um pro­pó­sito, uma men­sagem, um ob­je­tivo?

A nossa mú­sica vem dessa origem acús­tica e folk mais tra­di­ci­onal, mas desde o início que não nos li­mi­támos a in­ter­pretar as can­ções do Joe Hill, antes fa­zíamos adap­ta­ções e as nossas pró­prias ver­sões, ainda que em for­mato acús­tico. De­pois co­me­çámos a criar ori­gi­nais, com a mesma pre­o­cu­pação e cons­ci­ência po­lí­tica e com­pro­misso com as classes tra­ba­lha­doras. Nesse pro­cesso per­ce­bemos que havia um po­ten­cial es­con­dido nas nossas ver­sões e can­ções que ex­plo­diria quando li­gás­semos tudo à elec­tri­ci­dade. E assim foi. Se o nosso ob­jec­tivo ini­cial era di­vulgar a obra de Joe Hill, a men­sagem po­lí­tica com o poder cru do rock po­deria tornar esta banda em algo maior, mais trans­versal, que pu­desse chegar a mais gente e cruzar ge­ra­ções.
O nosso som elec­tri­fi­cado e rock tem esse ob­jec­tivo de ac­tu­a­lizar a men­sagem num con­texto mu­sical que todos podem en­tender, mas so­bre­tudo trazer o con­teúdo po­lí­tico e a ur­gência destas can­ções para os dias de hoje, e não ficar fe­chado numa es­pécie de vi­sita ao pas­sado.

Um dos lemas que a Hill’s Union adoptou vem de uma das úl­timas frases atri­buídas a Joe Hill, es­crita antes da exe­cução da sen­tença de morte a que o mú­sico foi con­de­nado, em 1916: «Morro como um ver­da­deiro re­belde. Não gastem tempo com o luto, or­ga­nizem-se!» Que pre­tendem obter do pú­blico com este tipo de re­fe­rên­cias?

O nosso ob­jec­tivo é po­lí­tico, esta é uma banda que se as­sume como po­lí­tica e re­vo­lu­ci­o­nária, que­remos des­pertar cons­ci­ên­cias e honrar a luta de Joe Hill e, com ele, de tantos sin­di­ca­listas e re­vo­lu­ci­o­ná­rios que deram a vida pela causa da li­ber­dade e da jus­tiça. E fazê-lo di­ver­tindo o pu­blico en­quanto nos di­ver­timos, a es­correr suor com o calor do rock n’­roll.




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