Em defesa da Revolução: Os Homens da Cor do Silêncio, de Alberto Molina
Molina utiliza a ficção policial para denunciar o carácter agressor do capitalismo
Não sou dos que consideram que o romance policial é literatura menor, como o faz Umberto Eco quando afirma que «a literatura de género é portadora de uma visão acrítica do mundo». Os grandes autores que cultivaram o policial, desde Conan Doyle, não deixaram de integrar nos seus textos, com acutilância, a observação dos comportamentos humanos e as tenções sociais e políticas do seu tempo.
O Homem que Via Passar os Comboios, de Simenon, é ainda hoje considerado um dos grandes romances psicológicos do século XX e o seu Maigret uma das mais interessantes personagens que a literatura foi capaz de criar, enquanto definidora de retratos humanos, como dizia Zola.
A novela negra de aventuras, como se designava no século XIX, levou o nosso Camilo a iniciar-se no policiesco ou, pelo menos, a integrar nos seus romances, alguns dos códigos do género, ampliando o seu modo de olhar o país: Anátema, de 1881, Mistérios de Lisboa, de 1865, e O Livro Negro do Padre Dinis, de 1855.
Em Cuba, após a revolução, alguns escritores mais lúcidos e empenhados nas mudanças da sociedade cubana entenderam ser o policial o género romanesco mais eficaz, pela desenvoltura do discurso, de atingir um número substantivo de leitores e fazer dele instrumento complementar para a formação ideológica das massas, inscrevendo na acção, de forma dialéctica, a denúncia dos golpes contra-revolucionários do imperialismo, as manobras de desgaste, a sabotagem económica, as pressões familiares, os assassinatos, as invasões planeadas pela CIA e seus satélites (Trujillo, através da Legião Anticomunista do Caribe; Baía dos Porcos, etc.), o cerco económico e psicológico.
Alberto Molina, autor de Os Homens da Cor do Silêncio, nasceu em Santa Clara, Cuba, em 1949. Participou nas Campanhas de Alfabetização (hoje, em Cuba, o número de não letrados é residual), foi actor, dirigente sindical, professor. Criou, em 1986, com Rodolfo Pérez Valero, a revista teórica e crítica Enigma, especializada em policiais e foi membro fundador da Associação Internacional de Escritores dedicados ao género. Este romance, que as edições Avante! integram na sua Biblioteca, colecção que reúne textos progressistas de grandes autores universais, venceu, em 1975, o Concurso Aniversario del Triunfo de La Revolucion.
Molina constrói um policial com forte componente política, diferente do que ao género é comum, (só John Le Carré e alguns autores nórdicos investem nestas temáticas, embora com projectos ideológicos diversos), dominando a técnica dos policiais mais exigentes (suspense no ponto, narrativa desenvolta, acção em progresso, discurso eficaz e verosímil, capacidade de prender o leitor, limpidez formal), nesta incursão pelos meandros da espionagem atenta ao histórico e ao sentido mobilizador que este tipo de literatura assume em sociedades progressistas.
Um grupo de arrivistas cubanos junto com agentes da CIA, preparam um ataque a uma importante refinaria de petróleo, situada nos arredores de Havana. A acção contra-revolucionária tem como objectivo pôr em causa a segurança do Estado cubano, causar sérios danos à economia e debilitar o regime. Operação minuciosamente preparada, não hesitando os seus mentores em pôr em causa a vida de uma criança, filho de um engenheiro cubano que conhece bem a refinaria onde o golpe será executado. O resto é uma progressão de incidentes, num virtuosismo narrativo carregado de suspense.
O romance está dividido em três componentes estruturantes distintas e complementares. Em cada um dos capítulos, Molina descreve com argúcia os modus operandi da CIA e a operação de contra-espionagem dos serviços de segurança cubanos, que irão impedir, de forma inesperada, que o golpe obtenha sucesso.
À afirmação de Humberto Eco, contraponho uma máxima de outro grande autor, Gao Xingjiang: «É sobre a máscara da ficção que se pode dizer a verdade.» Molina utiliza, de forma eficaz, a ficção policial para denunciar o carácter agressor do capitalismo e mostrar o seu lado sórdido.