A questão essencial

Vasco Cardoso

Um es­tudo da Co­missão Eu­ro­peia - «Es­ti­ma­tiva de Evasão Fiscal In­ter­na­ci­onal por In­di­ví­duos» - re­velou re­cen­te­mente que, entre 2001 e 2016, foram trans­fe­ridos para pa­raísos fis­cais (offshores) cerca de 50 mil mi­lhões de euros pelas fa­mí­lias por­tu­guesas mais ricas, o que equi­vale a cerca de um quarto do PIB por­tu­guês. O que quer dizer, tra­du­zindo por miúdos, que um pa­tri­mónio no valor de 50 mil mi­lhões de euros, deixou de pagar im­postos ao Es­tado por­tu­guês, re­pre­sen­tando uma perda fiscal, só entre 2004 e 2016, de cerca de 1300 mi­lhões de euros, isto para lá de ou­tras mo­ti­va­ções de ca­rácter ainda mais obs­curo que estão por de­trás destes mo­vi­mentos.

Como se vê por esta mo­nu­mental evasão fiscal (via offshores), a pro­gres­siva con­cen­tração e cen­tra­li­zação da ri­queza não se dá por efeito de ne­nhum me­ca­nismo da dita con­cor­rência de mer­cado, nada tem a ver com o mé­rito in­di­vi­dual (o tal as­censor so­cial, como al­guns o con­si­deram) e, muito menos re­sulta de qual­quer rasgo ino­vador na pro­dução de bens ou pres­tação de ser­viços. É con­sequência di­recta da ex­plo­ração e pro­gride tanto mais in­ten­sa­mente quanto mais o Es­tado pro­tege os in­te­resses de classe do grande ca­pital. É o que se vê nas in­con­tá­veis vezes que a le­gis­lação la­boral já foi re­vista e al­te­rada pelo PS, PSD e CDS para ga­rantir uma maior ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores pelo grande pa­tro­nato. E é também o que se vê quando estes mesmos par­tidos, ali­nhando com as normas e im­po­si­ções da UE, as­sumem e im­põem a livre cir­cu­lação de ca­pi­tais, o dum­ping fiscal e a na­tu­ra­li­zação dos offshores que dão co­ber­tura a ta­manha fuga ao Fisco.

São estas al­gumas das ra­zões di­rectas da cres­cente con­cen­tração da ri­queza num nú­mero cada vez mais re­du­zido de mãos e que têm, no re­verso da me­dalha, uma massa imensa de ho­mens e mu­lheres a quem é ne­gado o di­reito a um sa­lário ou uma pensão digna, à ha­bi­tação, a ser­viços pú­blicos de qua­li­dade, à re­a­li­zação das suas as­pi­ra­ções mais ime­di­atas…

O PCP tem razão quando propõe o au­mento geral dos sa­lá­rios, in­cluindo o sa­lário mí­nimo na­ci­onal para 850 euros e também o au­mento geral das re­formas e pen­sões. E não se diga – também pelo exemplo que aqui se trouxe - que a eco­nomia não aguenta ou que o PCP está a propor o im­pos­sível… É tudo uma questão de op­ções po­lí­ticas, de po­si­ci­o­na­mento de classe. Tudo o resto são tretas para en­co­brir a questão es­sen­cial.




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