União Europeia «deixa» Portugal usar o dinheiro que é do País

DE­CLARAÇÃO João Fer­reira exorta, no quadro da res­posta ao surto epi­dé­mico de COVID-19, à de­fesa firme dos in­te­resses do povo e do País, re­jei­tando im­po­si­ções e con­di­ci­o­na­lismos da União Eu­ro­peia.

PCP exorta à de­fesa dos in­te­resses do povo e do País e à re­jeição das im­po­si­ções da UE

Numa de­cla­ração pro­fe­rida no dia 21, o membro do Co­mité Cen­tral do PCP e de­pu­tado no Par­la­mento Eu­ropeu lem­brou que a res­posta a este surto re­clama com acres­cida pre­mência que o País en­frente e re­jeite de­ci­di­da­mente os cons­tran­gi­mentos de­cor­rentes da sub­missão às im­po­si­ções da UE. Aliás, acres­centou, estes cons­tran­gi­mentos e im­po­si­ções são não só a causa dos pro­blemas com que o povo e o País se con­frontam, como obs­ta­cu­lizam a sua re­so­lução.

Para João Fer­reira, muitas das prin­ci­pais di­fi­cul­dades para en­frentar o surto epi­dé­mico, pa­tentes em países in­te­grantes da União Eu­ro­peia re­sultam, desde logo, «das suas po­lí­ticas, re­gras e im­po­si­ções», que em de­tri­mento dos di­reitos, da saúde e da vida dos povos, «des­truíram ca­pa­ci­dade pro­du­tiva, de­gra­daram ser­viços pú­blicos, re­du­ziram in­ves­ti­mento pú­blico e o fi­nan­ci­a­mento das fun­ções so­ciais». Já às res­postas ime­di­atas as­su­midas pela UE, de­mons­tram não só a «total au­sência da tão ci­ni­ca­mente apre­goada so­li­da­ri­e­dade» como a na­tu­reza das suas po­lí­ticas, de­ter­mi­nadas pelos «in­te­resses das prin­ci­pais po­tên­cias e dos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros».

As me­didas até agora anun­ci­adas, em que se in­cluem a fle­xi­bi­li­zação da apli­cação do Pacto de Es­ta­bi­li­dade e da le­gis­lação re­la­tiva às «ajudas de Es­tado», são de­sa­com­pa­nhadas da mo­bi­li­zação dos re­cursos fi­nan­ceiros ade­quados, ao nível do or­ça­mento co­mu­ni­tário. Na ver­dade, «o que a União Eu­ro­peia está a dizer é que deixa Por­tugal usar o di­nheiro que é do País. Ab­surdo é que esse di­reito não seja sempre e ple­na­mente exer­cido», su­blinha.

As verbas anun­ci­adas – 37 mil mi­lhões de euros para o con­junto dos Es­tados-mem­bros – não cor­res­pondem a re­cursos adi­ci­o­nais, mas à re­a­lo­cação de verbas a que os Es­tados-mem­bros já te­riam di­reito, no âm­bito dos fundos es­tru­tu­rais e de co­esão, e que são, desta forma, re­ti­rados a ou­tros pro­jectos.

UE im­pede res­posta ne­ces­sária
As me­didas da UE, a que se pode acres­centar a con­tínua in­jecção de mi­lhares de mi­lhões na banca, re­pro­duzem o es­sen­cial da po­lí­tica se­guida aquando da ir­rupção do pico de crise em 2008. Então como agora, para além dos cor­dões abertos ao ca­pital fi­nan­ceiro, vale o prin­cípio do «cada um por si», sendo a ca­pa­ci­dade dos Es­tados para lidar com as exi­gên­cias e as con­sequên­cias da pan­demia ma­ni­fes­ta­mente de­si­guais.

É par­ti­cu­lar­mente sig­ni­fi­ca­tivo que as re­centes de­cla­ra­ções da pre­si­dente do BCE te­nham le­vado ao dis­parar dos juros da dí­vida so­be­rana dos países da cha­mada «pe­ri­feria» da zona euro, onde se in­clui Por­tugal.

Im­punha-se, no ac­tual con­texto, uma rá­pida e pro­funda mo­di­fi­cação e adap­tação do or­ça­mento co­mu­ni­tário, pre­vendo o seu re­forço e a re­a­fec­tação de meios fi­nan­ceiros exis­tentes para apoiar os Es­tados-mem­bros nos seus es­forços para pro­teger vidas, em­pregos, di­reitos, sa­lá­rios e apoios so­ciais, para di­na­mizar a ac­ti­vi­dade eco­nó­mica. Este re­forço «po­deria e de­veria ser as­se­gu­rado com base em con­tri­bui­ções dos Es­tados-mem­bros, de acordo com a sua ca­pa­ci­dade e nível de ri­queza re­la­tiva, e no re­di­rec­ci­o­na­mento de mi­lhares de mi­lhões de euros ac­tu­al­mente des­ti­nados ao in­ter­ven­ci­o­nismo ex­terno, a ac­ções de pro­pa­ganda ou à mi­li­ta­ri­zação da União Eu­ro­peia, entre ou­tras ru­bricas», re­alça a de­cla­ração.

O PCP «alerta para os planos por al­guns en­se­jados para que, à se­me­lhança do que se ve­ri­ficou há uma dé­cada, a mesma União Eu­ro­peia que nega so­li­da­ri­e­dade pe­rante as di­fi­cul­dades en­fren­tadas por Es­tados-mem­bros venha de­pois co­brar aos tra­ba­lha­dores e aos povos, de forma ainda mais brutal, a fle­xi­bi­li­dade na apli­cação de re­gras agora tem­po­ra­ri­a­mente sus­pensas e os imensos apoios aos grupos mo­no­po­listas».

A opção do Go­verno PS pela sub­missão do País aos di­tames da União Eu­ro­peia e das suas prin­ci­pais po­tên­cias, em con­ver­gência com PSD, CDS e su­ce­dâ­neos, com­pro­mete a res­posta ne­ces­sária a pro­blemas es­tru­tu­rais do País, que ga­nham acres­cida vi­si­bi­li­dade no quadro ac­tual.

Res­posta cabal à epi­demia exige ou­tras op­ções

O que a ac­tual si­tu­ação exige com acres­cida pre­mência, ga­rantiu João Fer­reira na sua de­cla­ração, não é a re­pe­tição de po­lí­ticas e op­ções, que se re­ve­laram de­sas­trosas, mas a con­cre­ti­zação ina­diável de um con­junto de op­ções es­tru­tu­rantes de uma po­lí­tica al­ter­na­tiva, pa­trió­tica e de es­querda. São elas:

A va­lo­ri­zação do tra­balho e dos tra­ba­lha­dores, de­fen­dendo di­reitos, sa­lá­rios, re­formas e pen­sões como ele­mento es­sen­cial para di­na­mizar o mer­cado in­terno e a pro­dução na­ci­onal, con­tra­ri­ando de forma re­so­luta a vaga em curso de ar­bi­tra­ri­e­dades e ile­ga­li­dades, as­se­gu­rando a proi­bição dos des­pe­di­mentos, im­ple­men­tando me­didas efi­cazes de de­fesa dos di­reitos e re­jei­tando a ins­tru­men­ta­li­zação do surto epi­dé­mico e das suas con­sequên­cias para apro­fundar po­lí­ticas de li­be­ra­li­zação das re­la­ções de tra­balho, de ataque aos di­reitos la­bo­rais e sin­di­cais, de­sig­na­da­mente as que emanam da União Eu­ro­peia.

A de­fesa dos sec­tores pro­du­tivos e da pro­dução na­ci­onal, as­se­gu­rando o fun­ci­o­na­mento das ac­ti­vi­dades eco­nó­micas fun­da­men­tais, a res­posta cabal às ne­ces­si­dades de bens e ser­viços das po­pu­la­ções, a so­be­rania e a se­gu­rança ali­men­tares, a pro­dução de me­di­ca­mentos, o que exige a afir­mação e pro­moção de um forte e in­ter­ven­tivo sector pú­blico, um Es­tado que as­suma o seu papel na pro­dução na­ci­onal ao ser­viço do povo e do País e en­quadre e es­ti­mule a ac­ti­vi­dade das micro, pe­quenas e mé­dias em­presas e do sector co­o­pe­ra­tivo.

A re­cu­pe­ração do con­trolo pú­blico sobre em­presas e sec­tores es­tra­té­gicos, de­sig­na­da­mente na banca e energia, entre ou­tros, re­o­ri­en­tando a sua in­ter­venção para o apoio à di­na­mi­zação e de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico, em quais­quer cir­cuns­tân­cias, a par da de­fesa de em­presas pú­blicas na­ci­o­nais como a TAP, em es­pe­cial no ac­tual con­texto. Uma re­cu­pe­ração para o con­trolo pú­blico, não como ex­pe­di­ente para tran­si­to­ri­a­mente su­portar custos dos ac­ci­o­nistas pri­vados para as voltar a de­volver ao ca­pital mo­no­po­lista, mas sim para as in­te­grar in­tei­ra­mente ao ser­viço do País e da sua so­be­rania. Um ob­jec­tivo que im­plica con­frontar as po­lí­ticas da União Eu­ro­peia de li­be­ra­li­zação, pri­va­ti­zação e con­cen­tração de cres­centes sec­tores de ac­ti­vi­dade eco­nó­mica.

A li­ber­tação de re­cursos na­ci­o­nais. Mais do que a fle­xi­bi­li­zação tem­po­rária do Pacto de Es­ta­bi­li­dade, exige-se a sua de­fi­ni­tiva re­vo­gação, a par da re­vo­gação do Tra­tado Or­ça­mental e da le­gis­lação re­la­tiva à cha­mada «go­ver­nação eco­nó­mica» e ao Se­mestre Eu­ropeu, que con­ti­nuam a impor a dre­nagem de re­cursos do País.

A re­cu­pe­ração da so­be­rania mo­ne­tária e a re­ne­go­ci­ação da dí­vida – nos seus prazos, juros e mon­tantes – que no quadro ac­tual se torna mais ne­ces­sária, com a ca­na­li­zação de re­cursos para a di­na­mi­zação do in­ves­ti­mento pú­blico, a cons­trução de in­fra­es­tru­turas e a pro­dução de equi­pa­mentos de que o País ca­rece.

A de­fesa e re­cu­pe­ração dos ser­viços pú­blicos e das fun­ções so­ciais do Es­tado, con­tra­ri­ando a sua pri­va­ti­zação, com um Ser­viço Na­ci­onal de Saúde pú­blico, geral, uni­versal, gra­tuito, e de qua­li­dade; uma Es­cola Pú­blica, gra­tuita, de qua­li­dade e in­clu­siva em todos os graus de en­sino; um sis­tema de Se­gu­rança So­cial pú­blico, uni­versal e so­li­dário, re­for­çado nas suas fontes de fi­nan­ci­a­mento; a pro­moção da ca­pa­ci­dade ci­en­tí­fica e tec­no­ló­gica do País.

A afir­mação da so­be­rania na­ci­onal e do pri­mado dos in­te­resses na­ci­o­nais face a im­po­si­ções da União Eu­ro­peia e no quadro de ne­go­ci­a­ções que nela de­corram. Na ac­tual si­tu­ação exige-se, em par­ti­cular, a li­ber­tação das verbas do or­ça­mento da União Eu­ro­peia a que o País tem di­reito, no­me­a­da­mente no âm­bito dos fundos es­tru­tu­rais e de co­esão, com subs­tan­cial re­dução ou mesmo su­pressão da con­tra­par­tida na­ci­onal para o re­ce­bi­mento dessas verbas, a par da eli­mi­nação da cha­mada «con­cen­tração te­má­tica» im­posta pela União Eu­ro­peia, adap­tando a uti­li­zação dos fundos às reais ne­ces­si­dades e pri­o­ri­dades na­ci­o­nais.



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