Vida, vidas
No quadro da programação não apenas da RTP mas também da televisão portuguesa em geral, o «Prós e Contras» assume um peculiar relevo não apenas porque aborda quase sempre temas de interesse amplo, mas também porque em princípio se propõe confrontar opiniões diversas, até opostas, o que é obviamente democrático e tendencialmente útil ao esclarecimento das questões abordadas. De onde, como bem se entenderá, a frequência com que o programa é referido nesta coluna. Feita esta introdução justificatória porventura inútil, passemos ao «Prós e Contras» da passada segunda-feira, não para tentarmos identificar os méritos e deméritos que porventura tenha tido mas apenas, menos ambiciosamente, para nos deixarmos inspirar pelo título que trazia: «Voltar à vida com confiança». Porque era um título de certo modo ambicioso e carregado de responsabilidades: isto de «voltar à vida» implica que ela, a vida, esteve suspensa durante algum tempo e também que felizmente regressou. O que pode ser verdade. Ou não. A resposta a essa dúvida dependendo de várias questões prévias, uma das quais será a de sabermos de que vida estamos a falar.
Bem se sabe
Sabemos bem, é claro, para que facto aponta o título que o «Prós e Contras» trouxe: para os dias do chamado confinamento maior ou menor a que nos obrigou a pandemia protagonizada por um vírus tendencialmente assassino. Mas este nosso entendimento talvez se veja limitado quando esbarra com a palavra «confiança». Em verdade, quando nos falam de voltar à vida com confiança parece presumir-se que a tal vida decorria para todos nós com fácil fluidez, e a questão é que não seria assim. Mais exactamente: é certo que não era assim. Não é preciso saber muito ou fazer difíceis investigações acerca do modo como seguia a vida quotidiana de milhares de portugueses para sabermos que para muitos deles, e apesar de melhorias conquistadas pela força de resistências e lutas, as dificuldades e os motivos de angústia diária eram o seu amargo pão de cada dia, um outro tipo de confinamento. Nada de surpreendente: eram a consequência de uma sociedade ainda dominada pela exploração de muitos em proveito de poucos, uma sociedade onde, apesar dos avanços conseguidos e das conquistas mantidas, a confiança ainda é um bem difícil. Bem se sabe: uma sociedade que é preciso transformar.