Palestina: uma Catástrofe que dura há tempo demais

Após 72 anos de «lim­peza ét­nica», o povo pa­les­ti­niano re­siste

«Podem tirar o úl­timo pe­daço da nossa terra!

Ali­mentar as celas das pri­sões com a nossa ju­ven­tude!

Podem ar­rasar a minha he­rança!

Podem es­pa­lhar uma chuva de terror sobre os tectos da minha al­deia!

Não ce­derei!

E até ao úl­timo pulsar das mi­nhas veias – Re­sis­tirei!»

Ba­lada po­pular pa­les­ti­niana

 

Há acon­te­ci­mentos que, para o me­lhor e para o pior, marcam im­pres­si­va­mente a cons­ci­ência dos povos. As suas datas tornam-se fe­ri­ados fes­tivos ou dias de do­lo­rosa me­mória. Para os pa­les­ti­ni­anos, essa data é 15 de Maio, que re­corda a Nakba – a Ca­tás­trofe. Nesse dia, em 1948, ini­ciou-se aquilo que o his­to­ri­ador is­ra­e­lita Ilan Pappe de­signa como a «lim­peza ét­nica da Pa­les­tina» (His­tória da Pa­les­tina Mo­derna, Ca­minho, 2007).

Em poucos meses da guerra que se se­guiu à pro­cla­mação uni­la­teral do Es­tado de Is­rael e à saída das tropas bri­tâ­nicas da re­gião, foram ex­pulsos das suas terras cerca de 750 mil pa­les­ti­ni­anos, obri­gados a viver como re­fu­gi­ados na Faixa de Gaza, na Cis­jor­dânia e em países vi­zi­nhos. Os res­tantes 160 mil pas­saram a cons­ti­tuir a mi­noria pa­les­ti­niana de Is­rael, tor­naram-se novos re­fu­gi­ados ou foram sim­ples­mente mas­sa­crados.

No mesmo pe­ríodo, foram apa­gadas do mapa, sob a fúria dos bull­do­zers, 370 al­deias árabes que se en­con­travam no ter­ri­tório que Is­rael re­cla­mava como seu – e, so­bre­tudo, no que a força das armas foi capaz de con­quistar. Por mais que tenha sido ne­go­ciado nas costas das po­pu­la­ções e au­to­ri­dades árabes, que o re­jei­taram, o Plano de Di­visão da Pa­les­tina, pro­posto em 1947 pelas Na­ções Unidas, con­sa­grava aos ju­deus 55% do ter­ri­tório e 43% às po­pu­la­ções au­tóc­tones, per­ma­ne­cendo a ci­dade de Je­ru­salém sob con­trolo in­ter­na­ci­onal.

Ex­pansão e ex­pulsão

Mas o pro­jecto si­o­nista era – e é – muito mais vasto. Se­gundo David Ben Gu­rion, o mapa que efec­ti­va­mente con­tava era o do Grande Is­rael, entre o Tigre (no Iraque) e o Nilo (no Egipto). Anos mais tarde, a pri­meira-mi­nistra is­ra­e­lita Golda Meir afir­mava mesmo que «não há nada que possa ser cha­mado pa­les­ti­niano. Eles nunca exis­tiram.» A prá­tica po­lí­tica do Es­tado de Is­rael nas úl­timas sete dé­cadas pro­curou con­cre­tizar estas as­pi­ra­ções ex­pan­si­o­nistas, es­pe­zi­nhando os ina­li­e­ná­veis di­reitos na­ci­o­nais do povo pa­les­ti­niano e cen­tenas de re­so­lu­ções das Na­ções Unidas.

Ora, no início de 1949 Is­rael es­ta­be­lecia-se em 78% do ter­ri­tório da Pa­les­tina. So­bravam Gaza e Cis­jor­dânia, que fi­caram então sob con­trolo egípcio e jor­dano, até à ocu­pação de Junho de 1967, que pro­vocou uma nova vaga de re­fu­gi­ados. Em 2018, dos 13 mi­lhões de pa­les­ti­ni­anos, só cerca de 37% re­sidia nos ter­ri­tó­rios da Au­to­ri­dade Pa­les­ti­niana: dos res­tantes, 12% en­con­travam-se no Es­tado de Is­rael, 45% nou­tros países árabes e mais de 5% es­pa­lhados pelo mundo. A si­tu­ação es­tará hoje ainda pior, dada a con­ti­nuada ex­pulsão de po­pu­la­ções árabes pelas forças de ocu­pação e co­lonos is­ra­e­litas.

Ac­tu­al­mente, na sequência da ex­tensão dos co­lo­natos, da cons­trução do muro de se­pa­ração e da ins­ta­lação de postos de con­trolo mi­li­tares na Cis­jor­dânia e do cerco a Gaza, os pa­les­ti­ni­anos con­trolam apenas (e mesmo assim de forma li­mi­tada) cerca de 5% do ter­ri­tório his­tó­rico da Pa­les­tina – e não os 22% onde um dia de­veria nascer o seu Es­tado, como pre­co­ni­zado pelas Re­so­lu­ções das Na­ções Unidas.

En­tre­tanto, o ac­tual go­verno is­ra­e­lita já ga­rantiu que vai avançar com o plano gi­zado por Ne­tanyahu e Trump para ile­gal­mente anexar mais ter­ri­tó­rios na Cis­jor­dânia.

Im­pres­si­o­nante re­sis­tência

Mas esta não é apenas uma his­tória de vi­o­lência, so­fri­mento e ver­go­nhosa cum­pli­ci­dade das po­tên­cias im­pe­ri­a­listas (o im­pério bri­tâ­nico, numa pri­meira fase, os EUA desde então) com as pre­ten­sões si­o­nistas.

É, também, uma im­pres­si­o­nente his­tória de re­sis­tência de um povo que in­siste em ser livre e não ab­dica dos seus di­reitos na­ci­o­nais, desde logo ao seu pró­prio Es­tado so­be­rano, in­de­pen­dente e viável – uma re­sis­tência que cer­ta­mente poucos acre­di­ta­riam que per­sis­tisse após 72 anos de mas­sa­cres, hu­mi­lha­ções quo­ti­di­anas, pri­sões ar­bi­trá­rias, bom­bar­de­a­mentos in­dis­cri­mi­nados e ex­pulsão mas­siva de po­pu­la­ções. Este apego do povo pa­les­ti­niano à sua terra, aliado à so­li­da­ri­e­dade que se alarga no mundo, é a mais só­lida ga­rantia da vi­tória, que mais cedo ou mais tarde, che­gará.




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