«Liberdade e coragem» contra a ameaça imperialista

SO­BE­RANIA Já co­me­çaram a chegar à Ve­ne­zuela os pe­tro­leiros ira­ni­anos que visam abas­tecer o país sul-ame­ri­cano com um mi­lhão e meio de barris de ga­so­lina, rom­pendo assim o blo­queio im­posto pelos EUA.

Ve­ne­zuela e Irão afir­maram o di­reito à so­be­rania dos es­tados

O pri­meiro dos na­vios, o For­tune, foi re­ce­bido em festa, se­gunda-feira, 25, na re­fi­naria de El Pa­lito, na costa cen­tral do país. Os ou­tros vão che­gando às ins­ta­la­ções pe­tro­lí­feras de Pu­erto La Cruz, no nor­deste, e Amuay, no no­ro­este. A vi­agem do For­tune acabou por de­correr sem in­ci­dentes, apesar das ame­aças que lhe foram di­ri­gidas pela ad­mi­nis­tração norte-ame­ri­cana. A Ve­ne­zuela ga­rante es­colta mi­litar aos na­vios mal estes se en­con­trem nas suas águas ter­ri­to­riais.

Em de­cla­ra­ções à im­prensa do seu país, o ca­pitão do For­tune as­se­gurou que a vi­agem de­correu de acordo com o di­reito in­ter­na­ci­onal de livre co­mércio e se re­a­lizou sem qual­quer vi­o­lação dos pro­to­colos. «O êxito desta ope­ração prova que as normas, re­gu­la­mentos e tra­tados in­ter­na­ci­o­nais, in­cluída a li­ber­dade ma­rí­tima e o di­reito ao livre co­mércio entre países, têm pri­o­ri­dade face aos ob­jec­tivos po­lí­ticos», des­tacou, numa re­fe­rência clara às ame­aças norte-ame­ri­canas.

O mi­nistro dos As­suntos Ex­te­ri­ores do Irão, Mohamad Yavad Zarif, di­rigiu mesmo uma carta ao Se­cre­tário-geral das Na­ções Unidas, An­tónio Gu­terres, na qual as­sumia que o seu país se re­ser­vava no di­reito de res­ponder a qual­quer agressão norte-ame­ri­cana no mar das Ca­raíbas, onde se as­sistiu por esses dias a um re­forço da pre­sença mi­litar dos Es­tados Unidos.

Já o pre­si­dente Ni­colas Ma­duro su­bli­nhou que o For­tune re­pre­senta um sím­bolo de «li­ber­dade e co­ragem para os dois povos», en­quanto ou­tros di­ri­gentes bo­li­va­ri­anos, como o mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros Jorge Ar­reaza e o vice-pre­si­dente do Par­tido So­ci­a­lista Unido da Ve­ne­zuela Di­os­dado Ca­bello, va­lo­ri­zaram a «di­plo­macia de paz num mundo mul­ti­polar». A Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela e a Re­pú­blica Is­lâ­mica do Irão são dois dos países que en­frentam pe­sadas san­ções e blo­queios im­postos pelos EUA.

Pi­ra­taria e ter­ro­rismo

En­tre­tanto, no sá­bado, 23, um tri­bunal norte-ame­ri­cano au­to­rizou a venda de ac­ções da pe­tro­lí­fera Citgo, pro­pri­e­dade da em­presa es­tatal ve­ne­zu­e­lana PDVSA. Para o mi­nistro bo­li­va­riano dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros, Jorge Ar­reaza, trata-se de uma de­cisão «ile­gí­tima» que re­vela cla­ra­mente a «exis­tência de um plano por parte do go­verno norte-ame­ri­cano para con­fiscar os ac­tivos da PDVSA nos EUA». Ar­reaza fala mesmo de um «acto de pi­ra­taria mo­derna» e de­nuncia a cum­pli­ci­dade de Juan Guaidó.

Dias antes, a 21 de Maio, o pro­cu­rador-geral ve­ne­zu­e­lano, Tarek Wil­liam Saab, in­for­mara da de­tenção, até esse mo­mento, de 66 pes­soas na sequência das ac­ções mer­ce­ná­rias do início do mês. Se­gundo a Te­lesur, o ma­gis­trado ve­ne­zu­e­lano iden­ti­ficou os res­pon­sá­veis pelo fi­nan­ci­a­mento da lo­gís­tica, ali­men­tação e le­a­sing dos campos de treino dos mer­ce­ná­rios, lo­ca­li­zados na Colômbia, e ga­rantiu ter ele­mentos que com­provam o apoio das au­to­ri­dades civis e mi­li­tares co­lom­bi­anas e norte-ame­ri­canas à ten­ta­tiva de in­vasão da Ve­ne­zuela.

Esse as­sunto es­teve, aliás, em des­taque nesse mesmo dia no Con­selho de Se­gu­rança das Na­ções Unidas, onde os EUA blo­que­aram uma pro­posta apre­sen­tada pela Fe­de­ração Russa que con­de­nava a ten­ta­tiva de de­sem­barque mer­ce­nário no país sul-ame­ri­cano.

A de­núncia ao Con­selho de Se­gu­rança e ao Se­cre­tário-geral das Na­ções Unidas foi ofi­ci­a­li­zada no dia 13 pelo go­verno ve­ne­zu­e­lano, que en­viou como provas do en­vol­vi­mento de sec­tores da opo­sição e das au­to­ri­dades co­lom­bi­anas e norte-ame­ri­canas o con­trato as­si­nado entre Guaidó e o seu «vice», Juan José Rendón, e a em­presa de mer­ce­ná­rios Sil­ver­corp USA Com­pany, para além de fo­to­gra­fias do pre­si­dente desta em­presa, Jordan Gou­dreau, quando era se­gu­rança pes­soal de Do­nald Trump.

Re­ve­la­ções e li­ga­ções

No início de Maio, as au­to­ri­dades ve­ne­zu­e­lanas, em es­treita co­or­de­nação com or­ga­ni­za­ções po­pu­lares, frus­traram duas ten­ta­tivas de in­vasão do ter­ri­tório por grupos de mer­ce­ná­rios pro­ve­ni­entes da Colômbia. As in­ves­ti­ga­ções em curso re­velam uma com­plexa teia de cum­pli­ci­dades, com epi­centro na Casa Branca.

Entre os mer­ce­ná­rios cap­tu­rados en­con­tram-se os norte-ame­ri­canos Luke Denman e Airan Berry, ex-mem­bros das Forças Es­pe­ciais dos EUA, e um ve­ne­zu­e­lano fun­ci­o­nário da agência norte-ame­ri­cana DEA. Os de­tidos re­ve­laram que um dos seus ob­jec­tivos era «neu­tra­lizar» o pre­si­dente Ni­colas Ma­duro e que a sua base de treino e lo­gís­tica se si­tuava na vi­zinha Colômbia, de onde partiu a Ope­ração Ge­deón.

In­for­ma­ções re­le­vantes foram também pres­tadas por outro dos en­vol­vidos na in­ten­tona, o mi­litar de­sertor An­tonio Se­quea, que terá par­ti­ci­pado na co­or­de­nação e re­a­li­zação do de­sem­barque de 3 de Maio. Se­quea contou, desde logo, que o grupo foi aco­lhido na Colômbia por um dos prin­ci­pais nar­co­tra­fi­cantes da re­gião, Elkin Ja­vier López, co­nhe­cido por Doble Rueda, cuja quinta se en­contra ao lado de uma ins­ta­lação da DEA, agência norte-ame­ri­cana para... o com­bate à droga. Foi pre­ci­sa­mente aí que, du­rante 40 dias, se pre­parou a ope­ração. Como con­tra­par­tida pelo seu apoio, e caso a Ope­ração Ge­deón triun­fasse e Guaidó fosse co­lo­cado na pre­si­dência do país, Doble Rueda re­ce­beria uma total li­ber­dade de mo­vi­mentos na Ve­ne­zuela.

O mi­litar de­sertor re­velou ainda que o dono da Sil­ver­corps, o ex-mi­litar Jordan Gou­dreau, es­teve reu­nido com Juan Guaidó em Março, na Casa Branca, e que as forças de se­gu­rança dos EUA es­tavam to­tal­mente a par da ope­ração. A li­gação de Gou­dreau ao pre­si­dente norte-ame­ri­cano está aliás com­pro­vada em ima­gens di­vul­gadas nas redes so­ciais do dono da Sil­ver­corps USA, nas quais surge a prestar ser­viços de se­gu­rança pes­soal a Do­nald Trump.

As­si­na­turas com­pro­me­te­doras

A 16 de Ou­tubro de 2019, foi ce­le­brado um con­trato entre Juan Guaidó e Jordan Gou­dreau (pre­si­dente da Sil­ver­corps USA Com­pany) vi­gente por 495 dias, vi­sando a con­cepção, pre­pa­ração e exe­cução de uma in­vasão mer­ce­nária à Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela. A Ope­ração Ge­deón vi­sava der­rubar as au­to­ri­dades e co­locar no poder a ca­ma­rilha de Juan Guaidó. O acordo foi di­vul­gado pu­bli­ca­mente pelo Washington Post.

O pa­ga­mento dos ser­viços à Sil­ver­corps USA foi feito com re­curso a fundos so­be­ranos ile­gal­mente apre­en­didos pelo go­verno dos EUA, a que acres­ceria, uma vez per­pe­trado o crime, verbas adi­ci­o­nais de­cor­rentes de fu­turos ne­gó­cios com o pe­tróleo do país. Re­fere-se ainda o fi­nan­ci­a­mento pri­vado da ope­ração por parte de ca­pi­ta­listas que, em troca, te­riam um es­ta­tuto pre­fe­ren­cial para obter con­tratos com um fu­turo go­verno li­de­rado por Guaidó.

No con­trato as­si­nado entre o bando de Guaidó (ou, me­lhor di­zendo, de Trump e Pompeo) e a Sil­ver­corps USA ad­mitia-se o re­curso a «todos os meios ne­ces­sá­rios para atingir os ob­jec­tivos» e a «todo o tipo de armas con­ven­ci­o­nais», in­cluindo contra po­pu­la­ções civis. Aos mer­ce­ná­rios ofe­recia-se imu­ni­dade prévia e ab­so­luta, in­de­pen­den­te­mente dos crimes que co­me­tessem.




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