Praias: modelo de salvamento

Rui Fernandes

É tempo de repensar o modelo de vigilância e salvamento nas praias

Não se pretende neste breve artigo dissertar sobre modelos existentes, sobre retrospectivas históricas ou definir um caminho que tenha sido objecto de necessária maturação. Pretende-se somente suscitar uma matéria que, e esta sim, afirma-se, necessita de alterações conceptuais porque como está, não está estruturalmente bem. E não está bem há muito tempo.

Não está bem que só haja nadadores-salvadores, ou se quisermos, praias vigiadas, onde há concessionários. Não faz sentido que num areal de cerca de quatro quilómetros como é o caso, por exemplo, da meia-praia em Lagos, a parte vigiada fique reduzida a umas centenas de metros correspondentes àquilo que foi concessionado. Não faz sentido que num País com largos períodos de sol durante o ano, o uso de praia com vigilância fique reduzido, quando muito, a cerca de três meses.

O surto epidémico que a todos confronta, veio evidenciar o problema, a saber: se em tempos de normalidade os concessionários obtinham na sua actividade um rendimento que lhes permitia fazer face às suas despesas, com a situação que se vive actualmente as dificuldades são uma realidade. Mas não se trata só disto (e já lá voltaremos).

Os nadadores-salvadores têm um horário de trabalho (e se não têm devem ter). Ora, em face da situação que se vive, de uma muito menor afluência à praia, os concessionários procuram, como é lógico, reduzir custos ou, se se quiser, cumprir as regras de modo a terem os gastos mínimos.

Resultado: no passado dia 11 de Julho, pelas 19 horas, e mantendo o exemplo da meia-praia, o nadador-salvador guardou o material que está à sua guarda, arriou a bandeira que sinaliza o estado do mar e foi à sua vida. A praia continuou com dezenas de pessoas e ficou a partir dessa hora sem vigilância como muitas outras pelo país fora. O nadador-salvador cumprindo o seu horário de trabalho fez aquilo que lhe é devido. O concessionário contratou o que lhe é facultado contratar, cumprindo a lei. O que sobra? Sobram os utentes que numa bela tarde de sol (para mais quando tudo aconselha a que se fuja das horas de sol mais intenso e a noite começa a ocorrer lá pelas 20h30) ficaram por sua conta. Temos, portanto, que a praia «abre» às 9 horas e «fecha» às 19 horas.

Mas esta realidade convive com outras, nomeadamente aquela em que são as câmaras municipais a contratar nadadores-salvadores, noutros casos por via dos Bombeiros, etc. Resta ainda toda a problemática dos valores que são pagos aos nadadores-salvadores por um trabalho sazonal, num quadro diverso em que existem praias de grande afluência, outras que nem tanto, até por razões do estado do tempo predominante, praias fluviais, piscinas de hotéis instalados em zonas consideradas mais apetecíveis do que outros.

Chegados aqui deixam-se algumas perguntas para reflexão: por que não criar uma estrutura civil permanente, providenciada pela administração pública, de vigilância e salvamento nas praias, a qual seria reforçada na tradicional época de maior afluência?

Afinal, por que razão os encargos estão nos concessionários e, um resort, um supermercado, um hotel, um edifício de apartamentos para alugar em férias, entre outros, que se instala, por exemplo, a 500 metros da praia e que por isso, até tem mais afluência/negócio, não contribui com nada para ter uma praia vigiada? Faz algum sentido?

Parece-nos ser tempo de repensar o modelo, incluindo a ideia peregrina de ter militares não uniformizados nas praias para exercerem um papel de «autoridade» sobre nadadores-salvadores, concessionários e sabe-se lá que mais. Dirão alguns que é uma forma de ganharem «mais algum». Mas é um fraco argumento. Que é preciso tratar das tabelas remuneratórias dos militares é um facto há muito conhecido. Mas não se dignifica os militares, a sua formação, o seu papel na sociedade, com o uso de expedientes, como se fossem pau para toda a obra.

Tal como não se dignifica o papel da Polícia Marítima, as suas competências, funções e atribuições, mantendo-os num sistema estatutariamente híbrido, com comandantes que aparecem com a farda da Marinha quando a função que exercem não é de natureza militar. Também aqui é tempo de clarificações.




Mais artigos de: Argumentos

A inoxidável luz da esperança

Muitas foram as portas que Abril abriu para a esperança do pulsar de uma nova vida que resgatasse Portugal da miséria, do obscurantismo em que quarenta e oito anos de ditadura fascista-salazarista o tinha mergulhado com um longo rol de violências que afectaram inúmeras vidas de democratas que...

A vacina que vem do frio

Em dias dominados pela preocupação que o coronavírus suscita, a informação parecia merecer algum relevo: em Moscovo estará já em utilização uma vacina eficaz contra o vírus que até já teria sido aplicada na filha de Vladimir Putin. Perdoe-se o exagero, mas é de crer que se a vacina tivesse sido aplicada à filha do...