Festa do Avante! - 44 anos a fruir a liberdade e os valores de Abril

A luta pela de­mo­cracia cul­tural é um traço es­sen­cial e dis­tin­tivo da na­tu­reza do PCP

A pri­meira Festa

Quando, na noite de 26 de Se­tembro de 1976, a Festa do Avante! en­cerrou as portas, os que pas­saram por Al­cân­tara na­queles três dias já ti­nham os olhos postos em Se­tembro de 1977. A sen­sação era a de ter abra­çado uma enorme fatia de mundo sem ter tido tempo para ab­sorver o outro tanto. Queria-se mais. Em tempo de ofen­siva contra a Re­forma Agrária e pela re­cons­ti­tuição dos grupos mo­no­po­listas, o PCP ape­lava à uni­dade dos de­mo­cratas em torno das con­quistas da Re­vo­lução, em torno dos va­lores que eram (e são) os de um tão re­cente Abril. Álvaro Cu­nhal, no co­mício da pri­meira Festa do Avante!, diria que «para al­guns que falam do en­fra­que­ci­mento do Par­tido, aqui está esta festa para lhes res­ponder», su­bli­nhando que «o PCP con­tinua a ser esta força vi­go­rosa que está pre­sente nesta Festa». As pa­la­vras de Álvaro Cu­nhal pro­lon­gavam, afinal, o re­trato na­tural de três dias ilu­mi­nados pelas ex­po­si­ções, a en­trega mi­li­tante e a arte de Adriano Cor­reia de Oli­veira, Pi de La Serra, Ma­nuel Freire, Sara Gon­zales, Aparcoa, Steve Wa­ring, Ar­chie Shepp, Ok­to­ber­klub, Fer­nando Lopes-Graça, Jorge Pei­xinho, Rui Mingas, Luigi Nono, entre muitos muitos mais, numa mul­ti­pli­ci­dade de pro­postas nunca antes apre­sen­tada em Por­tugal.

Al­guma im­prensa si­len­ciara ac­ti­va­mente a Festa. Mário Cas­trim (ho­me­na­geado na edição da Festa de 2020) es­crevia nas pá­ginas do Diário de Lisboa: «o re­levo dado pelo Te­le­jornal a um dos acon­te­ci­mentos mais im­por­tantes do nosso país foi sim­ples­mente ir­ri­sório. Uma re­colha breve de de­poi­mentos e a umas quantas ima­gens num Te­le­jornal… à meia-noite». In­di­fe­rente ao si­len­ci­a­mento no­ti­cioso, uma imensa mul­tidão en­tupia, li­te­ral­mente, as ar­té­rias da FIL, numa mis­tura pa­ra­doxal de imo­bi­li­dade e ale­gria, a ale­gria fra­terna que per­ma­neceu um dos mais belos traços da Festa do Avante!. Jo­vens, muitos jo­vens, lado a lado com os mais ve­lhos, par­ti­lhando uma ce­le­bração cons­truída pelos co­mu­nistas e en­qua­drada nos seus sím­bolos e pa­la­vras de ordem. A Festa dos co­mu­nistas era, na FIL, e assim se veio a con­so­lidar, uma grande e total Festa po­pular.

Uma Festa em ca­mi­nhada

Há males que vêm por bem. A re­cusa de ce­dência da FIL im­pul­si­o­naria a pro­cura de um novo es­paço para a edição de 1977 da Festa do Avante!. A es­colha re­cairia no aban­do­nado hi­pó­dromo do Jamor, es­paço de grandes di­men­sões a pre­cisar de cui­dados. Cen­tenas de téc­nicos e ope­rá­rios mi­li­tantes – muitos jo­vens, de novo! - pre­pa­raram o ter­reno, cons­truíram infra-es­tru­turas, edi­fi­caram o mo­delo de Ci­dade que a Festa nunca mais aban­donou. O Jamor con­verteu-se numa es­pécie de país cons­truído pelos co­mu­nistas dentro da sua pá­tria, dis­trito a dis­trito, de fron­teiras abertas para o mundo in­teiro da Ci­dade In­ter­na­ci­onal. Ali se apre­sen­taram todas as di­men­sões da luta re­vo­lu­ci­o­nária, de que a luta pela de­mo­cracia cul­tural se con­firmou traço es­sen­cial e dis­tin­tivo da na­tu­reza do PCP. O fo­lheto de apre­sen­tação da Ex­po­sição de Artes Plás­ticas dá conta da in­tenção de, ali, «criar um local de en­contro onde se dis­cutam e se abram pers­pec­tivas aos pin­tores, es­cul­tores e gra­va­dores» e, «não menos re­le­vante, con­frontar os seus tra­ba­lhos com mi­lhares de vi­si­tantes, pú­blico muito mais amplo e não ha­bi­tual nas ga­le­rias de arte». Em 1977, na Festa do Avante!, o «pú­blico não ha­bi­tual» teve ao seu dispor (nada mais, nada menos do que) obras de João Hogan, Jorge Vi­eira, Bar­to­lomeu Cid e Ro­gério Ri­beiro!

Es­crevia, à al­tura, o DL: «uma mul­tidão di­fícil de cal­cular, mas que en­globou vá­rias de­zenas de mi­lhares de pes­soas vindas de todos os pontos do país (e também do es­tran­geiro), (…). Di­fícil seria des­crever no curto es­paço de uma no­tícia a ale­gria, a eu­foria ver­da­dei­ra­mente co­mu­ni­tária que ontem se viveu no Jamor». A no­tícia vai mais longe e, à dis­tância de mais de 40 anos, são sa­bo­rosas as pa­la­vras emo­ci­o­nadas do jor­na­lista pe­rante a ca­pa­ci­dade or­ga­ni­za­tiva e de re­a­li­zação do PCP, a única força po­lí­tica capaz de er­guer, com o tra­balho mi­li­tante, uma Festa como a nossa. Havia, pois, ra­zões subs­tan­tivas para que as forças an­ti­de­mo­crá­ticas e an­ti­co­mu­nistas pas­sassem a ter na Festa do Avante! um alvo a abater.

No des­tino nó­mada que lhe ca­lhou por sorte nos pri­meiros anos de vida, em 1979 a mo­rada da Festa do Avante! seria o Alto da Ajuda. Ter­reno pe­dre­goso e in­cli­nado, que as mãos e o en­genho co­mu­nista viria a trans­formar num be­lís­simo ter­ri­tório, o Tejo a bor­dejar-lhe uma das mar­gens vi­suais, Mon­santo na outra margem. Foi ali que o palco «grande» tomou o nome de 25 de Abril, numa Festa que era a dos seus va­lores, ali mesmo pas­sados às novas ge­ra­ções que, ano a ano, po­vo­avam em cres­cendo (e cons­truíam e cui­davam) a Festa do Avante!. Foi ali que acon­teceu um dos mais me­mo­rá­veis con­certos da Festa: Chico Bu­arque e con­vi­dados num grande co­mício mu­sical an­ti­fas­cista, en­qua­drado por muitos mi­lhares de co­mu­nistas e de­mais de­mo­cratas.

Em 1988, a Festa do Avante! es­tava na Quinta do In­fan­tado, em Loures. Novos de­sa­fios cons­tru­tivos, novas so­lu­ções, a mesma massa ope­rária de cen­tenas de co­mu­nistas e amigos do PCP e do Avante! e, dentre estes, de novo muitos jo­vens que de­di­caram as suas fé­rias à cons­trução da me­tá­fora da pró­pria vida: o ter­ri­tório da fra­ter­ni­dade, da par­tilha de va­lores e de ri­queza, a edi­fi­cação mesma da eman­ci­pação como valor es­sen­cial. É na Quinta do In­fan­tado que se dá a no­tícia de que, a partir de 1990, a Festa pas­saria a morar – agora de­fi­ni­ti­va­mente - na Quinta da Ata­laia.

Ali, em terras da fre­guesia da Amora, onde antes fru­ti­fi­cavam uvas, pas­saria a fru­ti­ficar a mais bela re­a­li­zação po­li­tico-cul­tural de Por­tugal. Onde a Na­tu­reza co­locou re­levo, ar­vo­redo e as mar­gens da Baía do Seixal, os co­mu­nistas cri­a­riam infra-es­tru­turas e fa­riam sair do es­ti­rador o de­senho de uma ci­dade apra­zível, es­pa­çosa, do­tada de todas as con­di­ções para aco­lher muitos mi­lhares de vi­si­tantes na Festa da ju­ven­tude, dos tra­ba­lha­dores e de todo o povo.

A Ata­laia ir­manou-se, na edição de 2016, com a vi­zinha Quinta do Cabo da Ma­rinha, ad­qui­rida com re­cursos mi­li­tantes e com eles trans­for­mada na outra en­costa da Festa do Avante!, ainda mais am­pliada (como quem pres­sente o cerco dos mer­ce­ná­rios da guerra à de­mo­cracia e à li­ber­dade e seus ha­bi­li­dosos «con­fi­na­mentos»), ainda mais bela, ainda mais rica para a fruição da li­ber­dade nos três dias em que um «país» de novo tipo, livre e feliz, se abre à ju­ven­tude e a todo o povo, pela mão do PCP.

Um lugar da His­tória

Qual­quer re­tros­pec­tiva que se faça da vida po­lí­tica de Por­tugal e do mundo das úl­timas quatro dé­cadas, en­con­trará nas in­ter­ven­ções po­lí­ticas de en­cer­ra­mento da Festa do Avante! um po­de­roso guia. Ano após ano, de 1976 a 2020, a Festa do Avante! é a grande tri­buna da luta pela de­mo­cracia, de de­fesa da Cons­ti­tuição, da so­be­rania, do apa­relho pro­du­tivo na­ci­onal – desde a in­dús­tria me­ta­lo­me­câ­nica à agri­cul­tura, da in­dús­tria têxtil às pescas, da cons­trução naval à in­dús­tria têxtil. A His­tória de Por­tugal passou, ela mesma, pela Festa do Avante!  nos qua­renta-e-três-vezes três dias da sua re­a­li­zação.

A Festa do Avante! é o lugar da re­vi­si­tação dos prin­ci­pais mo­mentos da His­tória de Por­tugal e da Hu­ma­ni­dade, da Re­vo­lução de 1383/​85 (1983) à Re­vo­lução de Ou­tubro (2017) e à Vi­tória sobre o nazi-fas­cismo (2005), das «Tra­di­ções Po­pu­lares» (na lei­tura de Gi­a­co­metti, 1980) ao «Tra­balho» (pelo olhar de Se­bas­tião Sal­gado, 1996), dos Des­co­bri­mentos (1988) aos 150 anos do Ma­ni­festo Co­mu­nista (1998), da evo­cação de Bento de Jesus Ca­raça (2001) ao Cen­te­nário de Álvaro Cu­nhal (2013), da Im­prensa Par­ti­dária à Ci­dade de Ni­e­meyer (1998), da «Mú­sica, Povo e Luta na co­lecção de Louzã Hen­ri­ques» (2017) e dos Bo­necos de Santo Aleixo (2018) à Más­cara Ibé­rica (2016). E a Re­vo­lução de Abril e a His­tória do PCP como li­nhas con­du­toras de um olhar (um pro­jecto) sobre a re­a­li­dade.

Ter­ri­tório in­ter­na­ci­o­na­lista desde a pri­meira edição, a Festa do Avante! é o lugar de en­contro de re­vo­lu­ci­o­ná­rios de todo o mundo, al­guns ali emer­gidos da con­dição de clan­des­tinos ou per­se­guidos, lugar de de­bate entre re­pre­sen­tantes de forças pro­gres­sistas e de par­tidos co­mu­nistas e ope­rá­rios de todos os con­ti­nentes.

Po­lí­tica cul­tural, cul­tura po­lí­tica

Nestes dias equi­vo­cados de ataque ao PCP e à Festa do Avante!, coin­cidem os mo­no­lo­gantes (já que todas as con­versas de­correm na au­sência de di­a­lo­gantes co­mu­nistas) em con­si­derar que os as­suntos da po­lí­tica não são os as­suntos da cul­tura. Es­tamos, cla­ra­mente, pe­rante um cons­tran­gi­mento cul­tural dos ditos, fa­cil­mente iden­ti­fi­cável na cé­lebre frase do dra­ma­turgo nazi Hanns Johst (atri­buída a Go­eb­bels): «quando ouço falar de Cul­tura… des­travo logo a pis­tola». Com­pre­ende-se que os fas­cistas e seus «mo­de­rados» se­gui­dores con­si­derem a Cul­tura um dossiê ar­re­dado da vida das massas e da acção po­lí­tica, uma es­pécie de pátio de di­versão das elites, um pri­vi­légio de classe. Não é. Para o PCP «a de­mo­cracia cul­tural é in­dis­so­ciável da de­mo­cracia nas suas di­men­sões po­lí­tica, eco­nó­mica e so­cial, que são con­di­ções ma­te­riais da sua re­a­li­zação (…) e cons­titui um dos fac­tores de trans­for­mação da re­a­li­dade».Lugar da de­mo­cracia, a Festa do Avante! é o ponto de en­contro do povo com todas as formas de cul­tura, de que a arte é um im­por­tante ope­ra­ci­o­na­li­zador. Foi na Festa que muitos con­ci­da­dãos nossos ace­deram, pela pri­meira vez, às so­no­ri­dades da or­questra sin­fó­nica, às do combo de Jazz, às da rít­mica po­pular por­tu­guesa. Ou­tros ti­veram ali a pri­meira (e muitos a única) opor­tu­ni­dade de co­nhecer a dra­ma­turgia de Gil Vi­cente, Brecht e San­ta­reno, o te­atro do Grupo de Cam­po­lide e d’O Bando, as re­pre­sen­ta­ções de Fer­nanda Lapa e Mário Vi­egas, o ci­nema de Ei­sens­tein e de Tré­faut, a re­pro­dução em ta­manho na­tural da Guer­nica e a obra de cen­tenas de ar­tistas plás­ticos por­tu­gueses, a obra de José Gomes Fer­reira, Ma­nuel da Fon­seca e Sa­ra­mago apre­sen­tada pelos pró­prios, a mú­sica «eru­dita» de Lopes-Graça, Bo­ro­dine e do Miso En­semble, o Jazz da Or­questra do Hot Club, de Max Roach e de Bi­réli La­grène, a po­esia de Ary dos Santos na sua pró­pria voz, sub­mersas nos aplausos de mi­lhares, o re­gisto fo­to­grá­fico do mundo pelos olhares de Di­mitri Baltherman, Au­gusto Ca­brita e Edu­ardo Ga­geiro, Álvaro Cu­nhal ro­man­cista, en­saísta e ar­tista plás­tico. Foi ali que muita gente co­nheceu ou re­co­nheceu muitas ge­ra­ções de ar­tistas/​mú­sicos re­co­nhe­cidos e ou­tros que «não passam na rádio» mas existem e fazem falta. Foi ali que muitos com­pre­en­deram o fun­ci­o­na­mento do Uni­verso, que es­prei­taram as es­trelas, que vi­si­taram as leis da Fí­sica. E esses mesmos pu­deram, uns passos à frente, per­ceber o en­genho da malha e do chin­quilho, aplaudir uma equipa de an­debol, con­versar com um atleta olím­pico.

O fu­turo vive na Festa do Avante!

44 anos vol­vidos, a di­reita mais re­ac­ci­o­nária tem o maior dos ódios à Festa do Avante! e – jus­tiça lhe seja feita – tem boas ra­zões para isso. A Festa do Avante! é o con­trário do gueto em que o Ca­pital quer en­qua­drar a po­lí­tica, é o acto cri­a­tivo que se furta ao es­par­tilho das in­dús­trias cul­tu­rais, é o grito de so­be­rania que rasga e deita fora a car­tilha im­pe­ri­a­lista. A Festa do Avante! é o lugar da fra­ter­ni­dade e da ca­ma­ra­dagem, ter­ri­tório eman­ci­pado e eman­ci­pador, em que po­lí­tica se es­creve com um P maiús­culo e a se­gu­rança é uma con­quista re­vo­lu­ci­o­nária.




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