«Silêncios e tanta gente» é grito de alerta para tráfico de seres humanos

Miguel Inácio

As mascaras não impedem o público de sentir emoções

A 22 de Setembro estreou «Silêncios e tanta gente», a mais recente produção da Boutique da Cultura, com a parceria do Movimento Democrático de Mulheres (MDM) e apoio institucional da Secretaria de Estado da Igualdade e Cidadania. Naquele que é, também, palco das artes e da vida aborda-se a problemática do tráfico de seres humanos. Por ano, cerca de um milhão de pessoas são traficadas em todo o mundo, um dos crimes mais preocupantes à escala mundial e negócio particularmente lucrativo para a criminalidade organizada. A pandemia de COVID-19 expôs ainda mais as pessoas à exploração, que tem como causas a pobreza, o desemprego, a exclusão social e económica, as desigualdades sociais e de oportunidades.

«A comercialização de pessoas, a sua compra e venda, qualquer que sejam as razões, constitui um atentado à dignidade do ser humano, reduzindo-o ao estatuto de “coiso”», afirma, na folha de cena, Paulo Quaresma, da Boutique da Cultura.

A peça – dura, crua, forte, intensa – nãodeixa ninguém indiferente. Desde o primeiro ao último segundo, somos arrebatados com os relatos, que espremem o coração, de Makahiya, Tikirit, Marco e Pablo, interpretados brilhantemente por Joana Tavares, Rita Dias, Rubem Ferreira e João Borges de Oliveira, respectivamente.

O cenário resume-se a quatro malas que carregam histórias e reportam situações de exploração da prostituição, de trabalho e serviços forçados, de escravatura, deextracção de órgãos. Também os casos de crianças e jovens menores envolvidos na mendicidade e em furtos estão a agravar-se.

Segundo escreveu o encenador João Borges Coelho, «este foi um trabalho duro, muito duro, porque o tema é duro. Consegui, conseguimos graças ao profissionalismo e sensibilidade do MDM. As grandes equipas fazem trabalhos geniais… e eu sou um privilegiado. Eu tenho a melhor equipa. Aquela. Única. A que faz acontecer a cultura, mudar consciências, tornar-nos mais cidadãos. Mais pessoas.»

Espectáculo verdadeiro

Além de um «grito de alerta», este é um espectáculo «verdadeiro». «As histórias de vida das pessoas que são traficadas e exploradas, seja para fim laboral ou sexual, são tão inacreditáveis» que não foi preciso recorrer à ficção «para trazer aquilo que é, de facto, um horror», revela ao Avante! Sandra Benfica, que escreveu o texto da peça – uma estreia com perspectiva de futurocom base na recolha de relatos de vítimas de tráfico que chegaram ao MDM.

Por outro lado, acrescentou, «procurámos que as pessoas se sentissem relacionadas com esta história», até porque Portugal é um dos países da União Europeia com mais vítimas de tráfico humano em exploração laboral. O próprio Serviço de Estrangeiros e Fronteiras admite que a situação está fora de controlo.

Respondendo ao repto lançado por Maria (na peça Makhiya), que morreu, após ser resgatada da exploração sexual, com HIV/SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis, pretende-se envolver as pessoas, no sentido de alertarem e de evitarem que outros caiam neste negócio criminoso.

Daí o apelo: não deixem de escutar estas histórias, os sonhos roubados, a esperança violada, o futuro interrompido. «Levai-as convosco, mas não as guardem. Contem-nas aos gritos se necessário for. Lutem com todas as armas ao vosso dispor. Talvez assim possamos romper silêncios que nos tornam, sem querermos, cúmplices silenciosos de crimes sem fim», frisou Sandra Benfica.

No final, sentimos uma «pancada forte», um «muro no estômago», que nos desperta para a realidade. Um «forte aplauso» ainda para Raquel Albino, Maria Martins (figurinos), Ruben Ferreira (cenografia, comunicação e imagem), João Rafael da Silva (desenho de luz), Paulo Lourenço (sonoplastia), Patricia Blázques (fotografia), Angel Cerezo Roquebrún e Maria Barba (audiovisuais). Na ficha técnica referência ainda para um agradecimento a José Miranda. Mais informações em https://www.boutiquedacultura.org.




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