A teoria e a prática do socialismo científico
APROFUNDAR Ao longo do dia de trabalhos da Conferência, várias intervenções aprofundaram as matérias colocadas na abertura por Jerónimo de Sousa: da filosofia à história, da economia ao ambiente, das lutas de ontem aos combates de sempre.
O materialismo dialético e histórico é uma ferramenta indispensável para os comunistas
A abordagem, reflexão, questionamentos, análises e lições expostos na Conferência promovida no domingo pelo PCP será, certamente, de grande utilidade para a «intervenção presente e futura» dos comunistas e do seu Partido. Quem o afirmou foi Margarida Botelho, da Comissão Política, que dirigiu os trabalhos da parte da tarde, sucedendo nessa função a Luísa Araújo, do Secretariado, que o fez até ao intervalo de almoço. Na mesa estiveram, ainda, durante todo o dia, o Secretário-geral Jerónimo de Sousa, os membros dos organismos executivos do Comité Central Francisco Lopes, José Capucho e Armindo Miranda.
Entre os temas em debate estiveram, desde logo, os relacionados com história, filosofia e ideologia, matérias determinantes para quem se propõe transformar revolucionariamente a sociedade. Albano Nunes, da Comissão Central de Controlo, traçou um panorama histórico da acção revolucionária de Friedrich Engels, salientando desde logo a sua «fundamental contribuição» para a elaboração dos princípios do socialismo científico. Em Engels, realçou, a investigação científica e a elaboração teórica fizeram-se sempre acompanhar de uma «intensa intervenção prática»: na organização dos comunistas alemães, na adesão à Liga dos Justos (que ajudou a transformar na Liga dos Comunistas), na participação na revolução alemã de 1848, da qual resultaram «preciosos ensinamentos para o desenvolvimento da teoria marxista», valorizou Albano Nunes, para quem a modéstia de Engels constitui um «tocante exemplo de incalculável valor revolucionário».
Uma concepção científica
Sobre o socialismo científico falou Paulo Antunes, lembrando as críticas de Engels aos que o tratavam «de maneira doutrinária e dogmática» e o viam como um «credo», quando na verdade era – e é – um «guia para a acção». Tal como então, também hoje importa compreender o «momento histórico», o tipo de relações e contradições existentes e a «maneira para as superar ou pelo menos transformar». É que o comunismo, realçou, não é uma «fé reconfortante nem uma entrada prometida no paraíso», mas um «programa de trabalho, de investigação, de reconfiguração em permanência do nosso viver histórico material concreto numa perspetiva de transformação».
Já Pedro Maia reafirmou a necessidade de se fazer do socialismo uma ciência, o que é possível desde que «devidamente assente ou colocado num solo real». Penetrar cientificamente na realidade objectiva significa «pensar dialecticamente, ou seja, desenvolver uma visão do mundo em que “tudo se move, se modifica, devém e perece”, num “infinito entrelaçamento de conexões e de acções recíprocas”». Na concepção da História, esta «reviravolta do modo de pensar metafísico para o modo de pensar dialéctico» também se verifica e explica, segundo Engels, com a emergência de «factos novos», com a entrada da luta de classes para o primeiro plano da história.
Manuel Augusto Araújo, por seu lado, referiu-se às superestruturas ideológicas e à necessidade de travar a luta das ideias «sem tirar os pés das lutas económicas e sociais». Porquê? Porque uma ideologia «que não se traduza na luta de classes está condenada ao apaziguamento da exploração capitalista, contribuindo objectivamente para a sua continuidade». Daí que a desideologização seja um dos objectivos do arsenal ideológico da burguesia e também suporte a uma «nova esquerda adulada pelos pensadores de direita e pelos media mainstream», para quem a luta de classes é «substituída pelas lutas identitárias que promovem mudanças sociais deixando intocadas as fundações do sistema».
Enquadramentos e instrumentos de transformação
São múltiplos e úteis os instrumentos de análise e acção legados pelo marxismo-leninismo às actuais gerações de comunistas. Como sublinhou Agostinho Lopes, do Comité Central, perante uma «nova e poderosa revolução científica e técnica, é inteiramente justificado regressar a Engels (e Marx)». Ao fazê-lo, torna-se evidente o que a realidade vinha já demonstrando: o desenvolvimento das forças produtivas «não cabe mais no sistema capitalista. As forças produtivas profundamente sociais precisam de relações de produção também sociais». Para este dirigente comunista, nunca como hoje a apropriação da riqueza produzida por uma imensa maioria de trabalhadores «se fez em benefício de tão poucos, os tais um por cento».
A articulação das leis universais da evolução social e as características concretas e particulares de um determinado processo revolucionário – questão essencial do marxismo-leninismo – foi o tema abordado por Vasco Cardoso, da Comissão Política, que deu o exemplo da revolução portuguesa. Ora, realçou, é a própria experiência do PCP a confirmar a «necessária definição de tarefas e objectivos de cada etapa histórica da luta pelo socialismo, das alianças determinadas pela identificação dos interesses comuns que unem as classes e camadas interessadas na sua concretização». Do mesmo modo que comprova que as etapas de luta «não são intemporais nem estanques, não se decretam à margem das condições objectivas e subjectivas existentes».
Pedro Guerreiro, do Secretariado, abordou o projecto de socialismo para Portugal, começando por salientar que ele «parte necessariamente da análise concreta da situação concreta em que intervém». Os objectivos e características da sociedade socialista que o PCP aponta para Portugal, assim como o programa para a alcançar, foram sendo gradualmente «desenvolvidos e enriquecidos»: o actual programa do Partido, Uma Democracia Avançada – Os Valores de Abril no futuro de Portugal surge na contuinuidade histórica do programa anterior, consagrado em 1965. Nele assume-se que a realização da democracia avançada «criará condições propícias a um desenvolvimento da sociedade portuguesa conduzindo ao socialismo».
Para Francisco Lopes, dos organismos executivos do Comité Central, o contributo de Engels (com Marx e Lénine) para o socialismo cientifico inclui a «fundamentação da necessidade da organização revolucionária»: comprovam-na a Comuna de Paris, a Revolução de Outubro e os processos de transformação social do século XX e XXI. O partido, acrescentou, «não se limita a dar expressão concreta, firme e permanente à defesa dos direitos e dos interesses de classe dos trabalhadores na melhoria das suas condições de vida»; cabe-lhe também dirigir, nas suas diversas dimensões, o «processo de superação revolucionária do capitalismo». O PCP «analisa a realidade em movimento, define a estratégia e a táctica, com clareza no objectivo e firmeza na direcção».
Opressões e emancipação
«As ferramentas teóricas do marxismo-leninismo permitem-nos analisar e ter uma visão de classe muito nítida relativamente ao processo histórico e objectivos da União Europeia», afirmou João Pimenta Lopes, chefe do Gabinete dos Deputados do PCP no Parlamento Europeu. Passando em revista alguns momentos marcantes do processo de integração capitalista europeu, concluiu que a UE constitui, indubitavelmente, um «verdadeiro processo de dominação das grandes potências imperialistas da Europa», com a cumplicidade das grandes burguesias nacionais. A luta pela soberania nacional, garantiu João Pimenta Lopes, é «parte integrante da luta anti-imperialista, contra o domínio das grandes potências e contra fenómenos de nacionalismo reaccionário».
José Augusto Esteves, da Comissão Central de Controlo,considerou a exploração colonial, nas suas diferentes fases e na diversidade dos seus modelos e métodos, uma das componentes mais brutais da violência e saque inerentes ao capitalismo. Engels travou, no seu tempo, uma empenhada luta a favor dos povos submetidos e contra a exploração colonial e semi-colonial, recordou. Para José Augusto Esteves, se a escravatura era uma «tragédia antiga», o racismo foi um fenómero criado pelo capitalismo e o sistema colonial que o servia. A libertação plena de todas as opressões e discriminações, realçou, «exige a construção da sociedade nova e no caminho dessa construção a centralidade da luta de classes não pode ser diluída, antes reforçada».
Lembrando que Engels analisou a situação das mulheres ao longo dos séculos, particularmente na obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Fernanda Mateus, da Comissão Política, acusou o capitalismo de ter proclamado a inferioridade das mulheres. Se foram profundas as mudanças alcançadas desde finais do século XIX, na situação e direitos das mulheres, elas «não desmentem, antes confirmam, que o sistema capitalista gera e renova, permanentemente, a dupla exploração das trabalhadoras, as desigualdades, discriminações e violências em todas as dimensões das suas vidas». A luta de classes permanece como a força motora dos processos de resistência e de acumulação de forças, «em que a luta organizada das mulheres é indispensável».
Vladimiro Vale, da Comissão Política, lembrou que as «perturbações introduzidas pelo modo de produção capitalista no metabolismo entre Homem e Natureza estão muito presentes nas obras de Marx e Engels». Hoje, sendo ainda mais evidente a contradição entre capital e natureza (e reais e graves os problemas ambientais actuais), «desengane-se quem pense que ela conduzirá, por si, ao colapso do modo de produção capitalista». Por mais forte que seja, e é, a ofensiva ideológica neste campo, o capitalismo «não é, nem será, verde», garantiu o dirigente comunista, lembrando que, como disse o activista ambiental Chico Mendes, «ambientalismo sem luta de classes é jardinagem».