Eça, e depois

Correia da Fonseca

Não há muito tempo, a RTP trans­mi­tira uma breve série cujo tema era a pre­sença de Eça de Queirós em Ha­vana en­quanto cônsul-geral de Por­tugal em Cuba. Há dias a es­tação re­gressou ao tema, no que não se dirá que andou mal porque, desde que tra­tados com in­te­li­gência e res­peito ade­quados, Eça e quanto di­rec­ta­mente lhe diga res­peito são as­suntos sempre re­co­men­dá­veis. Na abor­dagem an­te­rior a nar­ra­tiva res­va­lara mais para as­pectos sen­ti­men­tais ha­vidos ou tem­pe­rados pela ima­gi­nação, desta vez cingiu-se mais a re­a­li­dades vi­vidas, mas em ambos os casos quer a fi­gura do es­critor quer os am­bi­entes evo­cados foram tra­tados com cui­dado e, di­gamos assim, hi­giene ade­quados. O que, como se sa­berá, nem sempre acon­tece quando se trata de evocar uma fi­gura já de­sa­pa­re­cida há algum tempo e o clima so­cial em que ela se in­seriu. No de­curso da nar­ra­tiva foram re­fe­ridos cla­ra­mente, e ainda bem, al­guns as­pectos de ín­dole di­rec­ta­mente po­lí­tica em que Eça se en­redou ou foi en­re­dado, o que tornou óbvio que Eça não voltou costas à ci­da­dania e aos de­veres que ela impõe. Foi o caso da pro­tecção dada por Eça a ci­da­dãos chi­neses que então bus­caram re­fúgio em lugar tão dis­tante da sua terra de origem quanto Cuba era.

Não só Paris

Ainda que por vezes seja es­que­cido, o sen­tido da so­li­da­ri­e­dade so­ci­o­po­lí­tica e o quase ins­tin­tivo sen­tido da so­li­da­ri­e­dade hu­mana são fre­quentes e, mais que isso, na­tu­rais, em es­cri­tores no­tá­veis (e também nos que não o sejam, é certo, pois nem sempre as vir­tudes éticas e cí­vicas são acom­pa­nhadas por mé­ritos li­te­rá­rios, o que será uma pena). Uma in­cursão breve e muito su­mária aos ter­renos da me­mória far-nos-á de­parar, nas dé­cadas menos lon­gín­quas e avul­tando entre ou­tros, com os nomes de Aqui­lino e Sa­ra­mago, ambos pu­nidos pela me­di­o­cri­dade cir­cuns­tante, o pri­meiro ar­ras­tado a tri­bunal com um pre­texto mi­nús­culo e ri­dí­culo, o se­gundo tor­nado alvo de uma cam­panha de fal­si­dades que acabou por ter algum êxito, pois a ca­lúnia tem por cá bom ter­reno onde vi­cejar. Eça, ci­dadão e es­critor in­dis­cu­ti­vel­mente «de es­querda» ainda que esta ca­rac­te­ri­zação possa não lhe ser con­tem­po­rânea, não es­capou a hos­ti­li­dades tão pa­tetas quanto de­ses­pe­radas como a acu­sação de «es­crever mal» (talvez di­fe­ren­te­mente de Ca­milo cuja su­cu­lenta prosa tem outro sabor). Mas a breve abor­dagem te­le­vi­siva da sua pas­sagem por Cuba teve, além de ou­tros mé­ritos, o de dar re­levo ao seu sen­tido de so­li­da­ri­e­dade di­gamos que trans­na­ci­onal. Ali se viu ou se (re)aprendeu que Eça não foi apenas o eu­ropeu que amava a Eu­ropa, Paris e os Campos Elí­sios. Só por isso, ainda que não apenas por isso, valeu a pena.




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