Defender e reforçar o SNS, travar o saque privado

CON­CENTRAÇÃO um SNS for­ta­le­cido pode ga­rantir, hoje e no fu­turo, o acesso à Saúde, ao passo que dos pri­vados só se pode es­perar a mer­can­ti­li­zação da do­ença, acusou Je­ró­nimo de Sousa, an­te­ontem, em Lisboa.

Os grupos mo­no­po­listas crescem à custa do ser­viço pú­blico

O Se­cre­tário-geral do PCP fa­lava no en­cer­ra­mento da marcha «Em de­fesa do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, contra o saque dos grupos pri­vados», uma das cerca de três de­zenas de ini­ci­a­tivas que terça-feira, 17, foram pro­mo­vidas de Norte a Sul do País por or­ga­ni­za­ções do Par­tido (ver peça ao lado), cul­mi­nando uma cam­panha le­vada a cabo ao longo de um mês.

Em Lisboa, a ini­ci­a­tiva co­meçou na Praça Duque de Sal­danha, onde pela 17h30 se co­me­çaram a con­cen­trar os par­ti­ci­pantes. Já perto das 18h00, mais de duas cen­tenas de pes­soas ar­ran­caram em di­recção ao Mi­nis­tério da Saúde, a cerca de um qui­ló­metro, Ave­nida da Re­pú­blica abaixo, gri­tando pa­la­vras de ordem como «Lutar, lutar, para o SNS Avançar», ou «Pú­blico é de todos, pri­vado é só de al­guns». Apesar dos con­tran­gi­mentos no trá­fego, não houve hos­ti­li­dade. Pelo con­trário, aqui e ali ou­viram-se até ex­pres­sões de apoio, con­fir­mando que a rei­vin­di­cação da pre­va­lência do ser­viço pú­blico sobre o ne­gócio da do­ença é uma as­pi­ração justa e mo­bi­li­za­dora.

Já na Ave­nida João Cri­sós­tomo, onde se situa a tu­tela da Saúde, Je­ró­nimo de Sousa, cha­mado à tri­buna pela en­fer­meira e di­ri­gente sin­dical Isabel Bar­bosa, co­meçou por de­nun­ciar, pe­rante a boa mol­dura hu­mana que ali se con­cen­trou, «a cam­panha que está em de­sen­vol­vi­mento contra o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, a partir dos grupos eco­nó­micos do ne­gócio da do­ença».

Esta cam­panha, ex­plicou, apro­fundou-se nas úl­timas duas dé­cadas, tendo «como prin­ci­pais pro­ta­go­nistas PSD e CDS-PP, muitas vezes com a co­ni­vência do PS e até com a sua ini­ci­a­tiva». Res­pon­deram e res­pondem, assim, àqueles que es­ti­veram sempre contra o SNS, «os cha­mados “in­te­resses ins­ta­lados” na Saúde, de­sig­na­da­mente a di­reita mé­dica, os grupos mo­no­po­listas do­mi­nantes na pro­dução e dis­tri­buição de pro­dutos far­ma­cêu­ticos e equi­pa­mentos e os grupos fi­nan­ceiros pri­vados com as res­pec­tivas se­gu­ra­doras», os quais, acusou o di­ri­gente co­mu­nista, «têm tido um cres­ci­mento ex­po­nen­cial à custa da des­va­lo­ri­zação do papel do SNS e da trans­fe­rência de parte das res­pon­sa­bi­li­dades do ser­viço pú­blico na pres­tação de cui­dados».

Com go­vernos ao seu ser­viço e re­pre­sen­tantes desses in­te­resses no­me­ados nas di­fe­rentes ins­tân­cias e ser­viços, de acordo com a co­lo­ração par­ti­dária do exe­cu­tivo de turno, o SNS foi im­pe­dido de me­drar nas suas «in­te­grais po­ten­ci­a­li­dades», sendo, ao invés, cres­cen­te­mente pa­ra­si­tado e uti­li­zado «como ins­tru­mento da trans­fe­rência de cen­tenas de mi­lhões de euros de re­cursos pú­blicos para a acu­mu­lação pri­vada», pros­se­guiu ainda o Se­cre­tário-geral do Par­tido, que fa­zendo contas aos mais re­centes sa­ques dos co­mer­ci­antes da do­ença ao erário pú­blico (ver caixa), in­sistiu em res­pon­sa­bi­lizar PSD e CDS, bem como os «seus qua­dros ins­ta­lados em ins­ti­tui­ções e or­ga­ni­za­ções li­gadas à Saúde», de, «com forte apoio me­diá­tico», apro­vei­tarem as di­fi­cul­dades exis­tentes no SNS para, ci­ni­ca­mente, de­fen­derem «a en­trega aos grupos pri­vados das ci­rur­gias e con­sultas em atraso e os exames de di­ag­nós­tico e te­ra­pêu­tica, aquilo que dá lucro, dei­xando para o SNS o que dá des­pesa, o com­bate à COVID-19».

«E como a ver­gonha é pouca, vão ainda mais longe quando de­fendem que é pre­ciso re­forçar o fi­nan­ci­a­mento do SNS a pensar no que daí be­ne­fi­ci­arão», ou, dito de outro modo, «fazem o mal e a ca­ra­munha», já que de­gra­daram pro­po­si­tada e os­ten­si­va­mente o SNS para pro­mover uma «so­lução» que, «a ser adop­tada, terá como con­sequência a des­truição do SNS, da sua na­tu­reza e ca­rac­te­rís­ticas», sa­li­entou também Je­ró­nimo de Sousa.

Emer­gência, sim
mas na Saúde

Ora, pesem em­bora todas as «di­fi­cul­dades e in­su­fi­ci­ên­cias, o SNS de­mons­trou ser a única so­lução e ins­tru­mento para as­se­gurar os cui­dados de saúde a todos os por­tu­gueses, en­quanto os grandes grupos pri­vados fe­chavam as ins­ta­la­ções e as portas aos do­entes COVID», lem­brou, por outro lado, o líder co­mu­nista. Daí que «em Maio, o PCP, aper­ce­bendo-se que era pre­ciso manter o com­bate à COVID-19, mas também re­cu­perar atrasos e ga­rantir o acesso aos cui­dados de saúde a todos, sem deixar nin­guém para trás, apre­sentou na As­sem­bleia da Re­pú­blica uma pro­posta de Plano de Emer­gência para o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde».

A ser apro­vado e con­cre­ti­zado, aquele «teria criado as con­di­ções para que, hoje, o SNS não es­ti­vesse a passar pelas di­fi­cul­dades que são co­nhe­cidas». Mas como ainda é tempo de cor­rigir o rumo, Je­ró­nimo de Sousa in­sistiu na ur­gência de adoptar «me­didas ex­tra­or­di­ná­rias para a con­tra­tação de pro­fis­si­o­nais de saúde em falta, para ga­rantir con­di­ções de tra­balho e os di­reitos dos tra­ba­lha­dores, para au­mentar o nú­mero de camas e mo­der­nizar o equi­pa­mento».

Com a pos­si­bi­li­dade de ser pro­posto e vo­tado o pro­lon­ga­mento do Es­tado de Emer­gência em vigor, o Se­cre­tário-geral do Par­tido rei­terou que este «des­con­si­dera em ab­so­luto a prin­cipal questão que está co­lo­cada ao País: a de­fi­nição de con­di­ções de se­gu­rança sa­ni­tária que é ne­ces­sário criar em cada área e sector para que a vida possa pros­se­guir com a nor­ma­li­dade pos­sível nas cir­cuns­tân­cias que vi­vemos».

No que diz res­peito ao acesso a cui­dados de saúde, o Es­tado de Emer­gência «não aponta para um único ver­da­deiro im­pulso para o re­forço do SNS, mas faz, sem pudor, apo­logia do ne­gócio da do­ença», abrindo a pos­si­bi­li­dade legal de «re­qui­sição pelo Es­tado dos meios pri­vados, ha­bi­li­do­sa­mente re­con­ver­tida num apelo a con­tratos que firmem esse ne­gócio», acres­centou Je­ró­nimo de Sousa, antes de con­cluir que «o que é pre­ciso é de­fender e re­forçar o SNS e com­bater o saque dos grupos pri­vados».

Sempre a en­cher

Na sua in­ter­venção, o Se­cre­tário-geral do PCP notou que «o que estes úl­timos anos evi­den­ci­aram foi o au­tên­tico saque dos grupos pri­vados ao SNS», pro­cesso que «não tem pa­rado de crescer», tra­du­zindo-se em «muitos mi­lhares de mi­lhões de euros que têm ga­ran­tido uma parte sig­ni­fi­ca­tiva dos seus or­ça­mentos e dos in­ves­ti­mentos em novas uni­dades».

Contas feitas, só em 2018, «na con­tra­tu­a­li­zação de actos clí­nicos e nas Par­ce­rias Pú­blico-Pri­vado, o SNS trans­fere mais de mil mi­lhões de euros, 500 mi­lhões dos quais em exames de di­ag­nós­tico que po­diam ser re­a­li­zados pelo SNS, fora os mais de 400 mi­lhões de euros para pagar as PPP e os cerca de 200 mi­lhões de euros em pa­ga­mentos a dois grandes grupos que detêm mais de 90 por cento da he­mo­diá­lise que se faz em Por­tugal».

Ou seja, «no total são cerca de dois mil mi­lhões de euros que vão di­rec­ta­mente para os bolsos destes grupos mo­no­po­listas», pre­cisou.

Na rua de Norte a Sul

Tal como frisou Je­ró­nimo de Sousa, de Norte a Sul do País, mais de três de­zenas de ac­ções foram re­a­li­zadas na rua sob o lema «Em de­fesa do SNS, contra o saque dos pri­vados», al­gumas das quais é pos­sível aqui re­gistar.

No Porto, à mesma hora que em Lisboa, con­cen­traram-se de­zenas de pes­soas na Praça da Ba­talha, ao passo que no dis­trito de Se­túbal, du­rante to dia de an­te­ontem foram re­a­li­zadas três con­cen­tra­ções: às 10h00 junto ao Hos­pital de São Ber­nardo, em Se­túbal, e às 18h00 junto ao Hos­pital Nossa Se­nhora do Ro­sário, no Bar­reiro, e ao Hos­pital Garcia de Orta, em Al­mada.

Em Viseu, de­pois da afi­xação de uma faixa junto ao Centro de Saúde, os co­mu­nistas con­cen­traram-se de­pois do al­moço nos cen­tros de saúde de Mor­tágua, Santa Comba Dão e Campo Bes­teiros, en­quanto que em Beja o pro­testo foi pro­mo­vido frente ao Hos­pital Dis­trital, o mesmo tendo su­ce­dido em Évora.

Ainda no Alen­tejo, em San­tiago do Cacém a de­fesa do SNS e a re­jeição dos ne­go­ci­antes da do­ença fez-se na manhã de an­te­ontem, no Jardim Mu­ni­cipal, sen­si­vel­mente à mesma hora que em Faro de­corria uma con­cen­tração junto à Ad­mi­nis­tração Re­gi­onal de Saúde.

No dis­trito de Aveiro, as ac­ções de­cor­reram du­rante o dia junto a duas ex­ten­sões de saúde que os utentes pre­tendem que sejam re­a­bertas, no Tro­viscal, con­celho de Oli­veira do Bairro, e no Lusa, con­celho de Pam­pi­lhosa. Também em Trás-os-Montes a ini­ci­a­tiva de de­núncia e luta foi re­a­li­zada em dois mo­mentos: com uma dis­tri­buição junto à Uni­dade Hos­pi­talar de Bra­gança e uma con­cen­tração em Vila Real.