O canto de La Pasionaria nos 125 anos do seu nascimento

Manuel Pires da Rocha

A causa da Es­panha era, em 1936, a de toda a Hu­ma­ni­dade pro­gres­sista

Do­lores abeirou-se do mi­cro­fone e disse: «Es muy di­fícil pro­nun­ciar unas pa­la­bras de des­pe­dida di­ri­gidas a los hé­roes de las Bri­gadas In­ter­na­ci­o­nales, por lo que son y por lo que re­pre­sentan.» Ou­viam-na, na­quela praça de Bar­ce­lona, dois mil com­ba­tentes das Bri­gadas, re­pre­sen­tantes dos 40 mil re­vo­lu­ci­o­ná­rios de mais de 60 países que com­ba­teram pela Es­panha re­pu­bli­cana.

«Pela pri­meira vez na his­tória das lutas dos povos deu-se o acon­te­ci­mento, as­som­broso pela sua gran­deza, da cons­ti­tuição de Bri­gadas In­ter­na­ci­o­nais para de­fender a li­ber­dade e a in­de­pen­dência de um país ame­a­çado, da nossa Es­panha», disse também Do­lores na­quele 28 de Ou­tubro de 1938 de es­pe­rança, ainda, na vi­tória da Re­pú­blica ame­a­çada pelo fas­cismo eu­ropeu. Dois anos antes, em 19 de Julho de 1936, no dia mesmo da su­ble­vação en­ca­be­çada pelos mi­li­tares fas­cistas, Do­lores Ibár­ruri, La Pa­si­o­nária, di­rigia ao povo es­pa­nhol um apelo que viria a ser to­mado também pelos an­ti­fas­cistas por­tu­gueses: «o fas­cismo não pas­sará!».

Dos muitos hu­manos que à His­tória im­primem rumos, de al­guns fi­cará o nome ins­crito numa placa de rua ou na pá­gina de algum ma­nual es­colar. De ou­tros res­tará a me­mória mais pro­funda das pa­la­vras pro­fe­ridas, a haver nelas a in­dis­pen­sável po­esia que as faça in­tem­po­rais, ca­pazes de re­no­vado pro­ta­go­nismo no fu­turo que so­nharam. São desta qua­li­dade as pa­la­vras de La Pa­si­o­naria, di­ri­gidas na­quela praça de Bar­ce­lona a re­vo­lu­ci­o­ná­rios de todo o mundo, e re­to­madas mil vezes de­pois de ali serem ou­vidas.

Cantos de so­fri­mento
e es­pe­rança

Pa­la­vras iguais a can­ções, in­di­fe­rentes às bar­reiras dos idi­omas, um canto de so­fri­mento e es­pe­rança, como al­gumas can­ções de em­balar, di­ri­gido aos povos de Es­panha: «[contem aos vossos fi­lhos, ao vossos netos] como, cru­zando mares e mon­ta­nhas, cru­zando fron­teiras eri­çadas de bai­o­netas, guar­dadas por cães rai­vosos e an­si­osos por cravar os dentes na sua carne, estes [com­ba­tentes] che­garam à nossa Pá­tria como cru­zados pela li­ber­dade, para lutar e morrer pela li­ber­dade e a in­de­pen­dência da Es­panha, ame­a­çados pelo fas­cismo alemão e ita­liano. Aban­do­naram tudo: afecto, pá­tria, lar, for­tuna, mãe, es­posa, ir­mãos, fi­lhos e dis­seram-nos: ‘aqui es­tamos!’, porque a vossa causa, a causa da Es­panha, é a nossa causa, é a causa de toda a Hu­ma­ni­dade pro­gres­sista».

Não ficou so­zinho o canto fa­lado de Do­lores. Por ser gesto cri­ador e hu­ma­nista, a luta eman­ci­pa­dora nunca pres­cinde de fazer uso das fer­ra­mentas da Arte. E a Es­panha de La Pa­si­o­naria não era outra senão a de Garcia Lorca, de Pi­casso, de Al­berti, a das can­ções dos que com­ba­teram nas frentes de Te­ruel e Ma­drid, e na Ba­talha do Ebro – umas em cas­te­lhano, ou­tras não. No tempo após a Re­vo­lução de Ou­tubro – que é o nosso tempo – a mú­sica e a dança, as artes vi­suais e a li­te­ra­tura, acen­tu­aram o seu com­pro­me­ti­mento pro­gres­sista.

Foi assim também na Guerra Civil de Es­panha. Na­quele que foi um dos prin­ci­pais con­frontos da luta de classes à es­cala ex­tra­na­ci­onal, a Arte jogou um papel com­ba­tente es­sen­cial que há-de so­bre­viver aos tes­te­mu­nhos dos que so­bre­vi­veram à Guerra. Por isso é que a Guer­nica de Pi­casso, The fal­ling sol­dier, de Ro­bert Capa, El crimen fue en Gra­nada, de Ma­chado, Ja­rama Valey, de Alex Mc­Dade per­ma­necem, afinal, obras do mesmo re­por­tório de Do­lores quando diz «el mejor guer­rero no es el que triunfa si­empre, sino el que vu­elve sin miedo a la ba­talla». Como se de um re­frão se tra­tasse.




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