Vacinas: o que importa questionar?

Vasco Cardoso

É deprimente o espectáculo que nos é servido diariamente pelas televisões, numa espécie de caça às bruxas, sempre que se verificam situações de utilização indevida na toma de vacinas contra a covid-19. Todos os abusos são condenáveis neste domínio, sobretudo quando partem de altos responsáveis no aparelho de estado, mas a operação ideológica que tem sido desenvolvida a este propósito, seja em torno dos abusos seja a propósito da vacinação de órgãos de soberania, não visa travar qualquer desmando mas dar lastro ao clima de delação, de ajuste de contas e culpabilização do outro, de rejeição «dos políticos» e das instituições democráticas, de desacreditação do SNS, de ambiente de caos onde os sectores mais reaccionários jogam todas as suas fichas neste momento.

A polémica em torno das vacinas, tal como o massacre de imagens das ambulâncias à entrada dos hospitais, das morgues saturadas, do despejar de números muitas vezes descontextualizados, dos ditos especialistas que matraqueiam a toda a hora o fim do mundo, concorrem para um clima de medo, muitas vezes irracional, que se amplia junto de milhões de pessoas em situação de confinamento e de exposição ao bombardeamento ideológico ao longo de semanas.

No caso das vacinas é absolutamente claro como se afasta da discussão aquilo que é essencial. Portugal colocou-se à mercê dos interesses egoístas das multinacionais farmacêuticas quando limitou a sua actuação às opções/negócios da Comissão Europeia. Não é aceitável que empresas que receberam milhares de milhões de euros de recursos públicos para a investigação, desenvolvam agora pressões e chantagens junto dos Estados, para se apropriarem de lucros descomunais, mesmo que isso signifique a perda de vidas humanas, evidenciando a lógica de funcionamento capitalista. As vacinas deveriam ser consideradas um bem público mundial acessível a todos. E Portugal, porque precisa de vacinar toda a população de forma rápida e segura, deveria diversificar a aquisição de vacinas a outros países e ter capacidade de decisão soberana, também nesta matéria. Nem o Governo, nem PSD e CDS e seus sucedâneos, e muito menos os centros de decisão do capital, estão interessados nessa discussão. O que não significa que a mesma não se faça e que se ganhe a consciência de muitos, de muitos democratas e patriotas, para aquilo que verdadeiramente importa.




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