Capitalismo sem freios

Manuel Rodrigues

De acordo com o re­la­tório das Na­ções Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), o nú­mero de cri­anças ví­timas de trá­fico hu­mano tri­plicou nos úl­timos 15 anos, sendo factor de peso no seu agra­va­mento o im­pacto da pan­demia COVID-19, que deixa as ví­timas mais vul­ne­rá­veis.

Por sua vez, o Re­la­tório Global sobre Trá­fico de Pes­soas 2020, di­vul­gado na pas­sada terça-feira, re­fere que em 2018 foram de­tec­tados cerca de 50 mil casos de trá­fico de pes­soas em 148 países, apesar da or­ga­ni­zação ad­mitir que este nú­mero possa ser muito su­pe­rior.

«Mi­lhões de mu­lheres, cri­anças e ho­mens em todo o mundo estão sem tra­balho, sem es­cola e sem apoio so­cial na con­tínua crise da COVID-19, o que as deixa em maior risco de trá­fico hu­mano», afirmou Ghada Waly, di­rec­tora exe­cu­tiva do UNODC, dei­xando claro que os mi­grantes e os mais po­bres, pelas suas fra­gi­li­dades, são os prin­ci­pais alvos dos tra­fi­cantes.

Por outro lado, e ainda se­gundo a ONU, as mu­lheres con­ti­nuam a ser as prin­ci­pais ví­timas deste crime. Em 2018, por cada dez ví­timas iden­ti­fi­cadas a nível mun­dial, cinco eram mu­lheres e duas eram ra­pa­rigas me­nores de idade. Um terço das ví­timas são cri­anças.

Se­gundo o re­la­tório, a nível global, 50% das pes­soas foram tra­fi­cadas para ex­plo­ração se­xual (maior pre­va­lência entre mu­lheres e ra­pa­rigas), 38% para tra­ba­lhos for­çados, 6% for­çadas à cri­mi­na­li­dade e 1,5% obri­gadas a pedir na rua. Há ainda casos de ca­sa­mentos for­çados, venda de bebés ou re­moção de ór­gãos para o trá­fico in­ter­na­ci­onal.

Ora aí temos mais um triste re­trato do ca­pi­ta­lismo, num mo­mento em que, apro­vei­tando a pan­demia COVID-19, se apro­funda de forma brutal a ex­plo­ração ao ponto de su­jeitar mi­lhões de cri­anças a si­tu­a­ções de­gra­dantes e de total de­su­ma­ni­dade.

E, claro, um acres­cido mo­tivo para a luta que tra­vamos pelo fim da ex­plo­ração do homem pelo homem.




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