Fingimentos

Rui Fernandes

Impõe-se a cri­ação de uma Po­lícia Na­ci­onal através da fusão da GNR com a PSP, de na­tu­reza ci­vi­lista


Não creio em nada e de nada des­creio
Charles Cha­plin

 

O de­pu­tado do PSD André Co­elho Lima deu uma en­tre­vista ao DN de 8/​2/​21 sobre as­pectos re­la­ci­o­nados com a Se­gu­rança In­terna. Não se en­trando aqui no de­talhe dos vá­rios as­pectos, cen­tremo-nos na parte em que o re­fe­rido de­pu­tado afirma que, e passo a citar, «o PSD é ten­den­ci­al­mente fa­vo­rável à ideia da con­gre­gação das po­lí­cias civis sob um co­mando único. Ou seja, no fundo do que es­tamos a falar é de uma co­or­de­nação comum do tal co­mando cen­tral (…). Não sig­ni­fica fu­sões por in­cor­po­ração, não sig­ni­fica nada disso. No nosso en­tender as forças po­li­ciais civis devem ser, o mais pos­sível, co­or­de­nadas sob a mesma es­tru­tura. Essa es­tru­tura é o se­cre­tário-geral de Se­gu­rança In­terna, o que não passa por ex­tinção de forças ou pela sua fusão nou­tras».

A pri­meira ob­ser­vação é o de­pu­tado do PSD saltar por cima de um ana­cro­nismo que per­siste, a saber: a exis­tência de forças po­li­ciais com na­tu­reza mi­litar (GNR) e, seja lá isso o que for, com na­tu­reza mi­li­ta­ri­zada (Po­lícia Ma­rí­tima). Mais, com tais na­tu­rezas e com mi­li­tares a co­mandá-las. Sobre isto, na opi­nião do PSD, nada a dizer.

Vá­rios go­vernos pas­sados (do PSD e do PS, com ou sem CDS) e vá­rios se­cre­tá­rios-ge­rais do SSI, já se com­pre­endeu que o seu papel pouco con­tri­buto adi­anta. Como o PCP tem re­pe­ti­da­mente aler­tado, a exis­tência de um órgão (SGSSI) na de­pen­dência do pri­meiro-mi­nistro, uma pessoa que con­centra toda a in­for­mação, con­sagra uma con­cepção que não nos pa­rece ade­quada. Aliás, existe o Con­selho Su­pe­rior de Se­gu­rança In­terna.

De­pois, o re­fe­rido de­pu­tado co­meça por afirmar que «o PSD é contra a re­es­tru­tu­ração do SEF iso­lada de uma re­forma do Sis­tema de Se­gu­rança In­terna», mas de­pois a re­forma é que tudo fique na mesma. Ou me­lhor, a re­forma é que a SGSSI co­or­dene me­lhor. Chamar a isto re­forma é uma ane­dota.

Que mo­delo de se­gu­rança in­terna?
Con­cor­damos que o mo­mento es­co­lhido pelo Go­verno para anun­ciar as mu­danças no SEF foram ina­de­quadas, pela li­gação que es­ta­be­leceu com o triste caso do ae­ro­porto. As cen­tenas de mu­lheres e ho­mens que com­põem o SEF não me­re­ciam que sobre todos fosse lan­çada mais lama. A de­cisão pos­te­rior de in­di­gitar um Ge­neral para di­rector cons­ti­tuiu mais um passo, a nosso ver er­rado.

Estes si­nais vá­rios de que cada vez que é pre­ciso re­solver um pro­blema no­meia-se um mi­litar para «meter ordem na casa» não é bom para os mi­li­tares e não é bom para as ins­ti­tui­ções res­pec­tivas. E es­cla­reça-se que não de­fen­demos a ideia de que por ser mi­litar deve ser pos­ter­gado. Não! Mas não é para nós in­di­fe­rente o con­texto, as cir­cuns­tân­cias, que en­volvem tais op­ções. E pen­samos também que as al­te­ra­ções, que aguar­damos para ver no con­creto, de­verão passar pela As­sem­bleia da Re­pú­blica.

Para nós, já o dis­semos re­pe­ti­da­mente, impõe-se, de facto, uma re­flexão sobre o mo­delo de se­gu­rança in­terna exis­tente – forças e na­tu­reza; com­pe­tên­cias e so­bre­po­si­ções; for­mação; meios; etc. E temos como pri­o­ri­ta­ri­a­mente ne­ces­sário a sua con­for­mação com os prin­cí­pios cons­ti­tu­ci­o­nais e, desde logo, o prin­cípio de que forças po­li­ciais devem ter uma na­tu­reza civil. Daí que te­nhamos adi­an­tado, de há muito, que se im­punha a cri­ação de uma Po­lícia Na­ci­onal através da fusão da GNR com a PSP, de na­tu­reza ci­vi­lista. Ao mesmo tempo que se impõe me­didas no âm­bito da Po­licia Ma­rí­tima – es­ta­tuto, lei or­gâ­nica, re­gime de di­reitos, etc.

Igual­mente temos de­fen­dido, cons­ci­entes de que tal mu­dança não pode ser feita de su­petão, que fosse ini­ciado um pro­cesso pau­la­tino com esse de­si­de­rato. A tí­tulo exem­pli­fi­ca­tivo: porquê a du­pli­cação de es­colas de for­mação? Porquê a du­pli­cação de forças es­pe­ciais?

Já se per­cebeu que o PS não de­fende tais de­sen­vol­vi­mentos e agora fi­cámos também a saber que o PSD finge que de­fende.

 



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