Cegueira ou outra coisa?

Filipe Diniz

Talvez não seja exagero ver-se o presente tão carregado de perigos e ameaças contra os povos como o foi a década de 30 do século passado. Um ambicioso recrudescimento do fascismo. Uma crescente e brutal agressividade imperialista, em particular dos EUA e das potências da UE. Um mesmo discurso de ódio – racial e ideológico – dirigido contra outros humanos. Um sistema capitalista em profunda crise, cada vez mais centrado na guerra como via para a superar.

Não é brincadeira. Tanto mais que, como há um século, o núcleo duro desta ameaça não encontra resistência entre muitos que a sua ofensiva mediática e ideológica neutraliza (na melhor das hipóteses) ou (pior ainda) converte em aliados objectivos.

Alguns não vão certamente gostar que isto venha a propósito, mas aqui vai: em 1937 a Grã-Bretanha nomeou Neville Henderson seu embaixador em Berlim. Era um reaccionário (entre outros, admirava Salazar) mas não necessariamente um fascista. Entendia como tarefa sua procurar a paz (objectivo que achava partilhar com Hitler) e conter a ambição nazi. Imaginava um mundo dominado em parceria entre o seu país e a Alemanha. Tal como toda a classe dominante inglesa, tinha a guerra como razoável, desde que apontasse para Leste. De modo que defendeu e incentivou as sucessivas cedências consumadas no catastrófico acordo de Munique, que conduziram directamente à guerra mundial. O perigo, no seu entender, estava noutro lado: nos «povos eslavos» e «inferiores», nos «judeus e comunistas, principais incentivadores da guerra». Não viu – porque não quis ver – o que estava à sua frente.

Vem isto a propósito dos dias de hoje? Infelizmente, vem. Não são novos Neville Henderson que estão em causa, esses não se escondem. São os que, fingindo que o não fazem, olham o mundo do mesmo ponto de vista dos que ameaçam a paz e preparam a guerra. Os que escolhem adversários entre as vítimas da agressão imperialista, seja na Síria ou na Líbia, seja na Venezuela ou em Cuba. Alguns julgam situar-se «à esquerda», e papagueiam hipocritamente que são «anti-imperialistas» e que «estão com os povos». Pode ser que, se alguma vez forem lembrados, o sejam como Neville Henderson, cuja reaccionária cegueira ajudou à tragédia.



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