O universo de José Afonso na guitarra de Pedro Jóia

Pedro Jóia é um dos mais com­pe­tentes e mul­ti­fa­ce­tados gui­tar­ristas por­tu­gueses, com­ple­men­tando uma longa e pro­fícua car­reira a solo com a par­ti­ci­pação em vá­rios pro­jectos co­lec­tivos. À Festa, que co­nhece desde muito novo, traz o seu mais re­cente tra­balho, Zeca, sobre can­ções de José Afonso.

De­pois de Carlos Pa­redes e Ar­man­dinho, Pedro Joia in­ter­preta agora o uni­verso de Zeca

O seu úl­timo tra­balho dis­co­grá­fico é feito sobre can­ções de José Afonso, mas em discos an­te­ri­ores andou em torno de Carlos Pa­redes e Ar­man­dinho. Estas es­co­lhas, com­ple­men­tadas com ou­tras abor­da­gens muito di­fe­rentes nou­tras gra­va­ções, pre­tendem reunir um re­per­tório que sim­bo­lize a pró­pria evo­lução da mú­sica po­pular por­tu­guesa no sé­culo XX? E quem fal­tará para com­pletar esse re­per­tório?

A mú­sica po­pular por­tu­guesa sempre me atraiu. Desde logo porque sempre senti um forte im­pulso pela des­co­berta das ex­pres­sões mu­si­cais que vêm di­rec­ta­mente da raiz po­pular e também porque a abor­dagem ins­tru­mental destas mú­sicas é ao mesmo tempo ino­cente e rica.

O aca­de­mismo, no es­tudo da mú­sica e em par­ti­cular de um ins­tru­mento mu­sical, con­fere efi­cácia, mé­todo e dis­ci­plina, mas o ver­da­deiro sabor vem das ruas e das casas, fa­mí­lias, onde, muitas vezes ao longo de ge­ra­ções, as lin­gua­gens mu­si­cais se con­so­lidam e ga­nham forma pró­pria.

Os três com­po­si­tores/​au­tores por­tu­gueses que eu, de forma pro­funda, abordei ao longo dos anos, em três discos (Carlos Pa­redes, Ar­man­dinho e José Afonso) re­pre­sentam, na minha opi­nião, a ex­pressão mu­sical po­pular mais rica e sin­gular que o sé­culo XX por­tu­guês pro­duziu.

 

O con­certo que vai trazer à Festa do Avante! foca-se apenas no disco sobre José Afonso?

O con­certo que vou apre­sentar na Festa do Avante! de 2021 é, todo ele, de­di­cado às ver­sões ins­tru­men­tais das can­ções de José Afonso que gravei no disco Zeca.

 

Vai tocar com José Sal­gueiro, um per­cus­si­o­nista muito re­le­vante no nosso meio mu­sical. Como é que se jun­taram e co­me­çaram a tra­ba­lhar juntos?

A co­la­bo­ração mu­sical com o José Sal­gueiro vem de longe. To­camos juntos há mais de 25 anos. Gra­vámos juntos pela pri­meira vez em 1996, no meu disco Gua­diano, o qual apre­sen­támos na Festa do Avante! no ano se­guinte.

 

Porque é que junta um per­cus­si­o­nista à sua gui­tarra?

A gui­tarra é um ins­tru­mento de vo­cação so­lista. Vive um pro­cesso de evo­lução ab­so­lu­ta­mente fre­né­tico desde que foi sendo as­su­mida como pro­ta­go­nista de muitas lin­gua­gens mu­si­cais pelo mundo fora, ao longo do sé­culo XX.

Os ins­tru­mentos de per­cussão, pela sua na­tu­reza tím­brica e neu­tra­li­dade tonal con­jugam-se ex­tre­ma­mente bem com a gui­tarra.

 

É muita vez es­crito que o Pedro Jóia faz a sín­tese entre a for­mação clás­sica que re­cebeu e as in­fluên­cias de fla­menco que bebeu. Quando es­tuda uma nova com­po­sição para in­ter­pretar sente dentro de si a ba­talha entre o «rigor» do clas­si­cismo e a «paixão» do fla­menco? Não en­tram em con­flito? Como é que do­seia isso?

Um ins­tru­men­tista, so­bre­tudo quando se apre­senta como so­lista, trans­porta dentro de si um mundo de ex­pe­ri­ên­cias e en­si­na­mentos que vi­ven­ciou e co­lheu ao longo da sua vida mu­sical.

No meu caso, a gui­tarra clás­sica e as ou­tras gui­tarras que fui abra­çando ao longo da vida con­vi­veram de forma por vezes di­fícil. Fui cons­truindo uma me­to­do­logia e uma abor­dagem ins­tru­mental que res­peita os dois mundos da gui­tarra, mas sempre à custa de ce­dên­cias e de op­ções muito per­so­na­li­zadas. No en­tanto, pas­sados mais de 40 anos de gui­tarra, sinto, hoje em dia, que cons­truí um ter­ri­tório pró­prio, no qual me sinto bem e no qual aprendi a tra­ba­lhar e a de­sen­volver a minha lin­guagem sem pre­con­ceitos nem cons­tran­gi­mentos.

 

O que pensa sobre a Festa do Avante!? Ela teve algum sig­ni­fi­cado par­ti­cular na sua car­reira?

A Festa do Avante! faz parte da minha vida desde a in­fância. Os meus pais le­varam-me à pri­meira edição da Festa, na an­tiga FIL. Acom­pa­nhei muitas edi­ções da Festa, nos vá­rios lo­cais onde foi acon­te­cendo: Ajuda, Jamor, Loures, Ata­laia…

Vi muitos con­certos de grandes ar­tistas in­ter­na­ci­o­nais na Festa, num tempo em que a oferta de es­pec­tá­culos mu­si­cais desse tipo era rara em Por­tugal. To­quei em vá­rias edi­ções da Festa, com di­fe­rentes for­ma­ções e em di­fe­rentes mo­mentos da minha vida mu­sical.

 

A Festa do Avante! per­mitiu no ano pas­sado, e per­mi­tirá se­gu­ra­mente este ano, que ar­tistas e téc­nicos exer­cessem a sua pro­fissão em con­di­ções de se­gu­rança. Mas o exemplo que deu não foi muito se­guido ou raras vezes foi re­pli­cado pelos vá­rios pro­mo­tores de es­pec­tá­culos. En­contra al­guma ex­pli­cação para isso?

A or­ga­ni­zação da Festa do Avante! no ano pas­sado foi um acto de co­ragem e de afir­mação, mas também uma forma de provar que um evento desta di­mensão pode ser bem su­ce­dido. Foi im­por­tante também na ajuda aos ar­tistas que nela par­ti­ci­param e um sinal que eventos destes po­diam ser re­pli­cados, desde que se cum­prissem todas as normas de se­gu­rança sa­ni­tária.

Não en­contro ex­pli­cação ra­zoável para o facto de este exemplo não ter sido se­guido por ou­tros pro­mo­tores.

 

Como é que foi a sua vida pro­fis­si­onal neste con­texto de pan­demia?

A minha vida pro­fis­si­onal du­rante a pan­demia, so­bre­tudo no ano de 2020, so­freu uma tra­vagem brusca! So­bre­tudo ao nível dos con­certos. No en­tanto, fiz vá­rios tra­ba­lhos de outra na­tu­reza – mú­sica para te­atro e ci­nema – e de­di­quei-me bas­tante a es­tudar e a tra­ba­lhar de forma mais tran­quila.

Nem tudo foi mau…




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