À sombra da epidemia, medra a exploração

Manuel Rodrigues

Os tra­ba­lha­dores des­pe­didos pelas em­presas do Grupo Ma­du­rei­ra’s con­ti­nuam a exigir os di­reitos de­vidos, tendo-se mo­bi­li­zado, na pas­sada sexta-feira, frente à porta do res­tau­rante Ma­du­rei­ra’s Rio Tinto, re­cla­mando os seus cré­ditos.

Se­gundo o Sin­di­cato do sector – Sin­di­cato de Ho­te­laria do Norte (CGTP-IN) –, tra­tava-se da quinta acção de pro­testo frente a em­presas do grupo, que se apro­vei­taram da epi­demia para des­pedir mais de 50 tra­ba­lha­dores, não lhes pa­gando os di­reitos de­vidos.

É sa­bido tratar-se de um grupo com cerca de duas de­zenas de res­tau­rantes cujas em­presas, se­gundo o Sin­di­cato de Ho­te­laria do Norte, vivem uma boa si­tu­ação eco­nó­mica: nos úl­timos anos, o Grupo cresceu muito e é bem vi­sível o nível de ri­queza dos seus só­cios.

Ora, em nota à im­prensa, o Sin­di­cato da Ho­te­laria do Norte afirma que a ge­rência do Ma­du­rei­ra’s Rio Tinto, logo que se aper­cebeu da che­gada dos ma­ni­fes­tantes, de ime­diato mandou re­tirar os quatro Pors­ches de alta gama que es­tavam es­ta­ci­o­nados à porta dos es­cri­tó­rios, em frente ao es­ta­be­le­ci­mento, de modo a afastá-los da vista dos tra­ba­lha­dores.

Trata-se de mais um caso a con­firmar uma si­tu­ação, na qual uns poucos, usando e abu­sando da epi­demia con­ti­nu­aram a ga­nhar, acu­mu­lando lu­cros e di­vi­dendos, quando não mesmo a apro­priar-se de vul­tosos re­cursos pú­blicos, en­quanto a mai­oria perde, no­me­a­da­mente con­di­ções de vida, de tra­balho, de saúde, de di­reitos.

A pro­pó­sito, relembre-se e sublinhe-se que em 2020, ano de par­ti­cular im­pacto da epi­demia, os ac­ci­o­nistas do con­junto das mai­ores em­presas, de­sig­na­da­mente NOS, Sonae, Brisa, Galp Energia, EDP, CTT, Je­ró­nimo Mar­tins, Cor­ti­ceira Amorim, ar­re­ca­daram 7,4 mil mi­lhões de euros de di­vi­dendos, mais 332 mi­lhões do que em 2019. E já se anun­ciam novos e mais vo­lu­mosos lu­cros nos dois pri­meiros tri­mes­tres de 2021.

Ora aí está mais um exemplo do ca­rácter de­su­mano do sis­tema ca­pi­ta­lista e dos que nele me­dram, apro­vei­tando-se da epi­demia para agravar a ex­plo­ração e fazercrescer as de­si­gual­dades so­ciais. E que se pre­param para abo­ca­nhar novos e mais vo­lu­mosos fundos pú­blicos (no­me­a­da­mente do PRR), ao mesmo tempo que vão pres­si­o­nando para que haja al­te­ra­ções à le­gis­lação la­boral, para pior, ou mesmo para evitar re­versão de mal­fei­to­rias, por mais sin­gelas que sejam.

Não vale a pena es­conder o sol com a pe­neira. O grande pa­tro­nato só assim age porque sente as costas quentes nas op­ções, po­si­ções e me­didas do Go­verno. Mas, como a luta dos tra­ba­lha­dores vai mos­trando, é pos­sível re­sistir, travar-lhes e der­rotar-lhes os in­tentos.




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