«América de volta»… a casa

Jorge Cadima

Dé­cadas de in­ter­venção ter­mi­naram numa hu­mi­lhante der­rota

É cedo para ava­liar todas as re­per­cus­sões da dé­bacle dos EUA no Afe­ga­nistão. Mas es­tamos pe­rante um acon­te­ci­mento his­tó­rico. Dé­cadas de in­ter­venção ter­minam numa hu­mi­lhante re­ti­rada. A su­pe­ri­o­ri­dade mi­litar, tec­no­ló­gica, eco­nó­mica, fi­nan­ceira e me­diá­tica da super-po­tência im­pe­ri­a­lista não evitou a der­rota.

Mesmo gente que vem do cerne do sis­tema im­pe­ri­a­lista mun­dial re­fere as­pectos im­por­tantes. O cé­rebro da pi­lhagem eco­nó­mica de ex-países so­ci­a­listas, Jef­frey Sachs, lembra ver­dades sobre a sór­dida in­ter­venção dos EUA no Afe­ga­nistão desde há mais de quatro dé­cadas («Sangue na Areia», Jornal de Ne­gó­cios, 24.8.21). O ex-ins­pector de ar­ma­mentos da ONU e ex-fu­zi­leiro dos EUA Scott Ritter ti­tula um seu ar­tigo: «A única ver­dade sobre a de­sas­trosa guerra dos EUA no Afe­ga­nistão é que foi toda ela ba­seada em men­tiras» (RT, 17.8.21). Dois ex-mi­li­tares dos EUA vi­rados dis­si­dentes, ve­te­ranos da guerra no Afe­ga­nistão, re­latam as suas ex­pe­ri­ên­cias (the­gray­zone.com, 22.8.21), in­cluindo o facto dos prin­ci­pais tra­fi­cantes de drogas no Afe­ga­nistão (onde se produz quase 90% do ópio mun­dial) serem ali­ados dos EUA, «na nossa lista de pa­ga­mentos». O jornal in­glês The In­de­pen­dent desce ao ponto de pu­blicar um ar­tigo dum ex-tra­fi­cante de drogas da Es­tónia com o tí­tulo «Os ta­libã estão a pla­near proibir a pro­dução de drogas no Afe­ga­nistão. Isso pode mudar o mundo para pior» (20.8.21) .

Mas o fundo da questão foi sempre ex­pli­cada pelos co­mu­nistas: o ca­pi­ta­lismo, mor­mente na sua fase im­pe­ri­a­lista, é um sis­tema de agressão e pi­lhagem do pla­neta. A his­tória da maior das po­tên­cias im­pe­ri­a­listas é uma his­tória de crimes sem fim, desde o ge­no­cídio da po­pu­lação in­dí­gena, à es­cra­va­tura, à ex­pansão mi­litar pla­ne­tária, com a uti­li­zação de todo o ar­senal de armas de des­truição em massa: nu­cle­ares, quí­micas, bi­o­ló­gicas. Os avanços de li­ber­tação na­ci­onal e so­cial al­can­çados pelas re­vo­lu­ções so­ci­a­listas e de li­ber­tação na­ci­onal do Sé­culo XX – im­pul­si­o­nadas pela Re­vo­lução de Ou­tubro e a der­rota do nazi-fas­cismo, a mais feroz ex­pressão do ca­pi­ta­lismo – le­varam o im­pe­ri­a­lismo, com os EUA à ca­beça, a tentar re­vertê-los re­cor­rendo às mais cri­mi­nosas guerras de agressão e às mais sór­didas ali­anças, seja com os fas­cistas der­ro­tados, seja com ter­ro­ristas (de cariz re­li­gioso ou não), seja com as redes de crime or­ga­ni­zado que sempre pro­li­feram sob a he­ge­monia dos EUA e que são si­mul­ta­ne­a­mente um ins­tru­mento de do­mi­nação so­cial e de acu­mu­lação de ri­quezas que ali­mentam o sis­tema fi­nan­ceiro in­ter­na­ci­onal. Mas tal como nos filmes sobre as ma­fias, os ali­ados de hoje tornam-se as ví­timas de amanhã, no­me­a­da­mente quando se re­cusam a obe­decer às or­dens. É a his­tória de Saddam Hus­sein, de No­riega, e também dos ta­libãs.

Nos úl­timos anos, as pi­lha­gens do ca­pi­ta­lismo em de­ca­dência des­truíram a base pro­du­tiva e em­po­bre­ceram grande parte da po­pu­lação dos cen­tros im­pe­ri­a­listas (desde logo, nos EUA). A ten­ta­tiva de impor a sua he­ge­monia mun­dial ar­rui­naram as fi­nanças pú­blicas da su­per­po­tência im­pe­ri­a­lista, cuja as­tro­nó­mica dí­vida é im­pa­gável. A in­sus­ten­ta­bi­li­dade da si­tu­ação dos EUA e a ne­ces­si­dade de re­a­grupar forças para con­tra­riar o seu de­clínio face à as­censão da China e ou­tras po­tên­cias não su­bor­di­nadas, está no cerne da de­cisão de re­ti­rada. Cabe aos povos as­se­gurar que a der­rota dos EUA se trans­forme no ocaso his­tó­rico do im­pe­ri­a­lismo.




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