A «alma» de Von Der Leyen

Ângelo Alves

O que move a União Eu­ro­peia não é a so­li­da­ri­e­dade

Ur­sula Von Der Leyen dis­cursou no Par­la­mento sobre o dito «Es­tado da União».

Se há re­a­li­dade que a União Eu­ro­peia de­mons­trou du­rante a cha­mada «crise pan­dé­mica» essa foi a sua face cal­cu­lista e des­pro­vida de real so­li­da­ri­e­dade. Ora, a pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia tentou exac­ta­mente afirmar o con­trário, ar­gu­men­tando com a «dis­tri­buição de va­cinas» e o «cer­ti­fi­cado eu­ropeu». Con­tudo, estes dois exem­plos de­mons­tram exac­ta­mente que o que moveu a União Eu­ro­peia não foi a so­li­da­ri­e­dade mas sim ou­tros in­te­resses.

Assim foi nas va­cinas, em que o que a Co­missão Eu­ro­peia as­se­gurou foram os in­te­resses de grandes mul­ti­na­ci­o­nais far­ma­cêu­ticas ao im­pedir a di­ver­si­fi­cação da aqui­sição de va­cinas, in­te­resses aliás que con­tinua a de­fender, opondo-se ao le­van­ta­mento dos di­reitos sobre as pa­tentes das va­cinas; assim foi com a dita «ba­zuca» que, no fundo, cor­res­ponde a um adi­an­ta­mento de verbas fu­turas ou a em­prés­timos a médio e longo prazo; e assim foi também com o «cer­ti­fi­cado eu­ropeu», um en­saio para ou­tros voos na con­cen­tração de de­ci­sões ao nível da UE que são da res­pon­sa­bi­li­dade dos Es­tados e que, como aler­támos opor­tu­na­mente, é usado para vender o novo grande ne­gócio e pro­jecto da UE – a dita «união da saúde».

Uma ideia cen­tral que so­bressai do mal-ama­nhado exer­cício de pro­pa­ganda da pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia em torno do que de­no­mina de «alma» da União Eu­ro­peia, é a ten­ta­tiva de em nome da «pro­tecção da saúde», da «re­cu­pe­ração eco­nó­mica», da «eco­nomia verde» e das «ame­aças hí­bridas» tentar apro­fundar os três pi­lares da União Eu­ro­peia – o ne­o­li­be­ra­lismo, o fe­de­ra­lismo e o mi­li­ta­rismo.

É aliás bem vi­sível a con­cepção de «grande po­tência», onde as so­be­ra­nias na­ci­o­nais são subs­ti­tuídas pelo con­ceito de «so­be­rania eu­ro­peia», mas sempre se­gundo os in­te­resses e as con­ve­ni­ên­cias das grandes po­tên­cias – a co­meçar pela Ale­manha – e do ca­pital mo­no­po­lista.

É assim na eco­nomia, com a ten­ta­tiva de con­cen­tração na UE de ins­tru­mentos eco­nó­micos e de re­la­ções eco­nó­micas no âm­bito in­ter­na­ci­onal; é assim na questão da saúde, como já re­fe­rido; é assim na li­gação entre fundos co­mu­ni­tá­rios e im­po­sição dos de­no­mi­nados «va­lores da União Eu­ro­peia»; e é assim com o mi­li­ta­rismo, com a Co­missão Eu­ro­peia a pre­tender ace­lerar o ca­minho para o velho pro­jecto im­pe­ri­a­lista de criar um centro de co­or­de­nação da ca­pa­ci­dade mi­litar, de criar um dito «exér­cito eu­ropeu» e chamar a si as de­ci­sões de como o uti­lizar.

Para além de fugir como o diabo da cruz de efec­tivas me­didas que dêem res­posta aos reais pro­blemas dos tra­ba­lha­dores e dos povos, neste dis­curso es­ti­veram au­sentes a re­a­li­dade da UE, como os seus ver­da­deiros in­tentos. Nem uma pa­lavra sobre a re­cente ameaça de que o Pacto de Es­ta­bi­li­dade nos irá cair em cima a partir do pró­ximo ano. Nem uma pa­lavra sobre o mar de con­tra­di­ções que está a per­correr a União Eu­ro­peia. E poucas pa­la­vras sobre o «de­sa­tino» em curso com o «par­ceiro es­tra­té­gico» da UE, o im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano. Con­tudo, nem a pro­pa­ganda da «alma» que Ur­sula re­petiu à exaustão con­segue es­conder a re­a­li­dade: a União Eu­ro­peia não serve os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e dos povos e com­porta-se cada vez mais como um pólo im­pe­ri­a­lista… em crise.




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