Perigosas patranhas

Filipe Diniz

Dois pa­pa­gaios do «atlan­tismo» – ou seja, do im­pe­ri­a­lismo EUA/​NATO/​UE – es­crevem no Pú­blico (3.10 e 6.10). Não têm qual­quer im­por­tância em si, mas a car­tilha que se­guem tem.

O ho­ri­zonte é pla­ne­tário - o Atlân­tico já vai no Pa­cí­fico. As pa­tra­nhas para jus­ti­ficar o ace­lerar da de­riva mi­li­ta­rista têm barbas – a «guerra-fria» contra a China re­pete o guião da guerra-fria contra a URSS. Tal como antes, a es­ca­lada de agressão é «de­fen­siva». Re­pete um que a cri­ação da NATO – nada menos que seis anos antes do Pacto de Var­sóvia – teve o ob­jec­tivo de «conter a ameaça so­vié­tica na Eu­ropa». O mantra ac­tual é o «ex­pan­si­o­nismo chinês».

Os EUA foram os pri­meiros a criar a arma nu­clear, os únicos a uti­lizá-la – no mons­truoso crime de Hi­ro­xima e Na­ga­sáqui. Os pri­meiros a criar bom­bar­deiros es­tra­té­gicos in­ter­con­ti­nen­tais, sub­ma­rinos nu­cle­ares, porta-aviões nu­cle­ares, ogivas múl­ti­plas, mu­ni­ções de neu­trões, todo o co­lossal ar­senal que in­ces­san­te­mente de­sen­volvem. Em ne­nhum país do mundo a pers­pec­tiva da guerra tem se­me­lhante peso na in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica e tec­no­ló­gica, o ne­gócio da guerra tem se­me­lhante peso in­dus­trial e bol­sista.

Tudo isto por ra­zões «de se­gu­rança e de­fesa», dizem. Pro­clamam que o Pa­cí­fico ad­quiriu «nova cen­tra­li­dade es­tra­té­gica». Não deram conta que é no Pa­cí­fico que os EUA têm, so­bre­tudo desde o final da II Guerra Mun­dial, em­pre­en­dido, apoiado e fo­men­tado mais guerra e mais am­pliado a pre­sença mi­litar. Tal como antes no cerco à URSS (que de­pois se apro­ximou e en­volveu ainda mais o ter­ri­tório russo), agora no cerco à China.

Diz a au­tora de uma das prosas que se trata de «pre­servar os pa­drões in­ter­na­ci­o­nais do co­mércio». Para ela, o sig­ni­fi­cado pre­sente do «atlan­tismo» é o de atrelar os en­vol­vidos a uma eco­nomia em de­clínio, cuja prin­cipal pers­pec­tiva de so­bre­vi­vência con­siste na guerra.

É nesses termos que as­sume par­ti­cular gra­vi­dade a de­cla­ração de An­tónio Costa de que «não existe al­ter­na­tiva du­ra­doura ao bloco euro-atlân­tico», que é «um pilar in­subs­ti­tuível da de­fesa da de­mo­cracia, da se­gu­rança, da es­ta­bi­li­dade e da pros­pe­ri­dade global». Aqui a pa­tranha co­loca-se a outro e mais pe­ri­goso nível de res­pon­sa­bi­li­dade.




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