O Estado

Gustavo Carneiro

Se não fosse o «Estado», Portugal conheceria um crescimento económico fabuloso e o seu povo viveria faustosamente, liberto de impostos, burocracias e má gestão, e então só o mérito seria premiado. Esta narrativa, tão em voga no período áureo do cavaquismopara justificar o assaltoao sector público construído com a Revolução de Abril, volta hoje em força na voz de velhas e novas forças políticas e do autêntico exército de analistas, comentadores e jornalistas que todos os dias a repetem, num labor imenso para a credibilizar.

Deparam-se, porém, com um problema: tal narrativa é falsa – a menos, claro, que a olhemos apenas da perspectiva da ínfima minoria que soma fortunas à custa da privatização de serviços públicos e sectores económicos estratégicos, da desregulação de mercados e de ajudas estatais. De resto, não há exemplos que a sustentem, antes pelo contrário. Oparaíso liberal é só mesmo para alguns, muito poucos.

Vejamos alguns exemplos.

A privatização dos CTT, imposta por imperativo de eficiência e qualidade, só serviu aos seus novos donos, que viram os lucros mais do que duplicar no segundo trimestre deste ano. Todas as outras partes envolvidas ficaram a perder: os atrasos na distribuição postal chegam por vezes a ultrapassar as duas semanas, há cada vez menos estações e com filas cada vez maiores, os trabalhadores confrontam-se com cargas excessivas e salários congelados.

Também a liberalização dos mercados dos combustíveis e da energia – garantiram-nos! iria controlar os preços, pela acção reguladora da concorrência. Aconteceu o oposto. Só nos primeiros 11 meses após o fim da política de «preços máximos», em 2004, o preço do gasóleo aumentou 46,7 por cento, não deixando de escalar desde então: dos 70 cêntimos/litrode finais de 2003, custa hoje mais de 1,60 euros. Do mesmo modo que, com a liberalização da energia, em 2006, Portugal passou a ser um dos países da Europa com as facturas mais altas para os consumidores. Mas nem todos perderam: só na primeira metade deste ano, a GALP e a EDP amealharam de lucros 166 e 343 milhões de euros, respectivamente.

No sector da saúde, onde são hoje fortíssimas as pressões privatizadoras, o SNS financia directamente os grupos privados em qualquer coisa como 1500 milhões de euros anuais, valor que tenderá a aumentar à medida que os serviços públicos de saúde e sua capacidade de resposta sejam crescentemente golpeados e destruídos. Assim se explica o desinvestimento, as subcontratações, a degradação de instalações.

O problema destes liberais não é com o «Estado», mas com o facto de ele poder não estar sempre, em todos os momentos, totalmente ao seu serviço. Graças à luta dos trabalhadores e do povo, que continua!




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