«A Colômbia vive uma situação difícil mas há possibilidades de mudanças»
Depois de uma greve nacional de mais de 60 dias – uma luta com muitas lutas – e a poucos meses de eleições, a situação na Colômbia é complexa. Mas «há também possibilidades de grandes mudanças, de a esquerda avançar». Quem o afirma é Jaime Cedano, do Partido Comunista Colombiano, em entrevista ao Avante!.
Os jovens estiveram na primeira linha da Greve Nacional
Como vai a luta política e social na Colômbia?
Houve há pouco uma grande mobilização social, uma Greve Nacional [Paro Nacional], uma forma muito especial da luta na Colômbia. Não é a greve geral clássica, a paralisação sindical clássica. O Paro Nacional é uma série ampla de mobilizações, diferentes e simultâneas, reivindicativas, políticas, culturais – com muita cultura, muitos jovens, muita gente nas ruas. Esta Greve Nacional prolongou-se por mais de dois meses, desde 28 de Abril.
O que motivou a Greve Nacional?
O governo, no meio da pandemia, com as pessoas a passar mal, apresentou um projecto de reforma fiscal, que golpearia as famílias mais pobres. Em plena crise sanitária, apresentou uma reforma muito má, muito lesiva para os trabalhadores. Então, o comando da Greve Nacional – que integra o Partido Comunista Colombiano – propôs às centrais sindicais e a movimentos sociais convocar uma greve de 48 horas. As pessoas começaram a mobilizar-se em todas as cidades e, no seu seio, surgiu a ideia de que a greve não teria prazo para terminar. Já tinha havido uma experiência desse tipo, em 2018, de uma greve que durou um mês. Em Abril surgiu a convocatória e as pessoas decidiram que a greve era ilimitada.
E como decorreu a mobilização?
Em resposta às manifestações de rua, a polícia respondeu com muita violência e logo nos primeiros dias houve mortos, feridos, em Cali, Bogotá e outras cidades. A reacção violenta do governo, criminalizando manifestantes, apelidados de bárbaros e terroristas, fez com que mais gente se juntasse à mobilização. Todos os dias havia mortos e feridos, mas cada vez mais gente saía às ruas e aumentava o repúdio da repressão brutal. Foi crescendo a presença de gente nas ruas e crescendo a solidariedade em todo o país com os manifestantes e os grevistas, com o Paro Nacional. Solidariedade também internacional: realizaram-se mobilizações de colombianos em 50 países, apoiando a greve e condenando o assassinato de jovens, porque as vítimas eram sobretudo jovens.
Esta movimentação popular teve aspectos originais…
Foi um cenário de resistência, em que as pessoas, convocadas para combater a reforma fiscal, passaram em breve a lutar contra tudo – contra a fome, a miséria, a falta de perspectiva de futuro. A presença dos jovens foi muito forte, sobretudo nos bairros mais pobres. Saíam às ruas milhares e milhares de jovens a protestar e a polícia a reprimir. Havia confrontos todo o dia, toda a noite. Mesmo batucadas, música, teatro nas ruas eram atacados. A polícia reprimia e a gente defendia-se. Os jovens ficavam nas ruas 24 horas e recebiam apoio, desde comida até ajuda de médicos e advogados. Em muitos sítios, os indígenas mobilizaram-se e foram para as cidades proteger as manifestações dos jovens, que constituíram a primeira linha.
Ao fim de mais de dois meses de luta, houve mudanças…
Depois desta vaga de marchas e protestos, tomou-se a decisão de mudar a mobilização – porque estava a custar muitas vidas. Não se tratou de parar a luta, mas de a mudar. A greve transformou-se. Das barricadas populares passámos aos bairros, para organizar. A Greve Nacional foi uma greve com muitas lutas. Dos jovens nos bairros, dos camponeses nos caminhos rurais, dos indígenas e seus bloqueios nas estradas. Foi uma experiência extraordinária, com a primeira linha formada por jovens, rapazes e raparigas, dos bairros pobres.
E as perspectivas para o futuro?
A Greve Nacional continua, está latente. Apresenta reivindicações de toda a vida. No início foi uma greve contra a reforma tributária e no final foi um movimento por todas as reformas – boas – que não foram feitas. A Greve Nacional é hoje contra todas as injustiças, contra a traição ao acordo de paz, de rechaço dos assassinatos de líderes sociais, de líderes indígenas, de defensores dos direitos humanos. Contra a falta de emprego, a falta de saúde, a falta de tudo! As reivindicações permanecem e decerto haverá novas mobilizações.
A par destas mobilizações sociais, há a luta eleitoral…
Em 2022 há eleições parlamentares em Março e presidenciais em Maio. Há um agrupamento que foi constituído e está a fortalecer-se, o Pacto Histórico. Vem de um processo de unidade, nas eleições anteriores, chamava-se então Colômbia Humana-União Patriótica. Foram à segunda volta dois candidatos – Iván Duque, da direita, que ganhou, e Gustavo Petro, da Colômbia Humana, que ficou em segundo lugar, com oito milhões de votos. Ele agora é pré-candidato presidencial do Pacto Histórico, aglutinando forças da esquerda e organizações sociais. Gustavo Petro encabeça os inquéritos de opinião desde há vários meses.
Duque não vai recandidatar-se, está muito desprestigiado. A direita uribista não tem um candidato forte e nas presidenciais pode perder. Por isso, está a fazer uma intensa campanha anticomunista, de terror, de calúnias. Uma campanha suja, com muito dinheiro, tenta salvar-se usando a força, comprando votos. É, para nós, uma situação difícil, complicada, mas há também possibilidades de grandes mudanças, de a esquerda avançar.