(Des)Consideração
«Um maior número de pessoas com empregos dignos significa um crescimento económico mais forte e inclusivo. O aumento do crescimento gera mais recursos para criar empregos dignos. É uma equação simples, mas que tem sido largamente negligenciada na formulação de políticas internacionais antes e depois da crise financeira de 2008». A afirmação é da Organização Internacional do Trabalho, na sua Agenda para o Trabalho Digno, onde se recorda que o poder de compra dos trabalhadores «impulsiona o crescimento e o desenvolvimento de empresas sustentáveis» e «aumenta as receitas fiscais para os governos, que podem consequentemente financiar medidas sociais». Não se trata propriamente da descoberta da pólvora, mas a avaliar pelo que se passa em Portugal é de temer que por cá a Agenda continue a ser remetida para as calendas gregas.
Confrontados com alterações ao Código do Trabalho, tão revolucionárias, mas tão revolucionárias que nem sequer repõem a situação existente antes da troika, as confederações da indústria, do comércio e serviços, da agricultura e do turismo suspenderam a sua participação nas reuniões da Concertação Social e pediram uma audiência ao Presidente da República para fazer queixinhas da «desconsideração» de que alegadamente foram alvo por parte do Governo. António Costa ter-se-á esquecido de avisar os patrões das modestas propostas de alteração à lei laboral, pelo que os senhores ficaram ressentidos.
É natural. Para o patronato não é «desconsideração» manter trabalhadores eternamente em trabalho precário; pagar tuta e meia por trabalho extraordiário, o mais das vezes imposto como se horário normal fosse; eternizar salários de miséria que perpetuam a pobreza; despedir a seu belo prazer a troco de quase nada quem de seu só tem a força de trabalho.
Para o patronato, não é «desconsideração» a caducidade dos contratos colectivos de trabalho, a competitividade à custa de mão-de-obra barata, do trabalho clandestino, da fuga aos impostos, das discriminações de todo o tipo. Essa é a ordem natural das coisas.
A queixa a Belém, como se a proposta do Governo fosse o assalto ao Palácio de Inverno da lei laboral, só não é hilariante porque distrai do essencial para o acessório. E isso sim, é perigoso.