Hipocrisia sem limites

Jorge Cadima

Multiplicam-se as provocações contra a Rússia

Vagas de refugiados é coisa que não falta. No Mediterrâneo, nas fronteiras EUA/México, Turquia/Grécia e até França/Inglaterra. Milhões de refugiados nem chegam aos centros imperiais-mediáticos. Ficam nos países vizinhos das tragédias humanitárias causadas pelas guerras EUA/NATO/UE, como sejam o Irão, Líbano, Turquia ou Paquistão. Mas quem ouvir a comunicação social pensará que se passa algo diferente na fronteira Polónia/Bielorússia.

«Ataque brutal contra a Polónia», proclama o presidente do Conselho Europeu Charles Michel (Morning Star, 14.11.21). «Ameaça híbrida» com que «Lukachenko usa as pessoas, com o apoio do Presidente russo Putin, para desestabilizar o Ocidente», vocifera o ministro do Interior alemão Seehofer (Guardian, 9.11.21). Segundo a CNN (15.11.21), «a Polónia, a Lituânia e a Letónia ponderam invocar o art.º 4.º da NATO […] que apela a consultas sempre que a ‘integridade territorial, independência política ou segurança de qualquer das partes seja ameaçada’».

Quem se lembra que há poucos dias havia uma grave crise entre a UE e a Polónia, por o Tribunal Constitucional polaco afirmar a primazia do Direito nacional sobre o Direito comunitário? O MNE luxemburguês acusava a Polónia de «brincar com o fogo» (Reuters, 8.10.21). A Presidente da Comissão Europeia, von der Leyen, ameaçava com uma «resposta célere». O Ministro francês para a Europa falava no «risco duma saída de facto da Polónia da UE». Havia apelos para que «todos os fluxos financeiros da UE para Varsóvia fossem congelados» (Guardian, 8.10.21). Num ápice, a Polónia passou de besta a bestial. Bastou que «desde Outubro, a polícia polaca tenha sido autorizada a expulsar sumariamente migrantes e ignorar pedidos de asilo» (Guardian, 9.11.21), apesar do «Alto Comissário para os Refugiados da ONU [o lugar que já foi de Guterres] ter declarado que a Polónia estava em violação do Direito Internacional ao forçar os migrantes a regressar à Bielorússia em vez de lhes oferecer asilo» (express.co.uk, 5.11.21).

A UE, cuja presidente da Comissão von der Leyen excluíra terminantemente «o financiamento de arame farpado ou muros» entre fronteiras (Guardian, 22.10.21) vem agora, pela boca do Presidente do Conselho Europeu Michel considerar que esse financiamento «é legalmente possível» (politico.eu, 14.11.21).

Trump foi muito criticado pelo seu muro na fronteira com o México (seria para se defender da «guerra híbrida» das Honduras?). Devia ser «pago pelo México» mas acabou por ser (em parte) pago com 601 milhões de dólares que os EUA saquearam à Venezuela Bolivariana (thegrayzone.com, 29.6.20). A UE não fica atrás das «melhores práticas» dos EUA. A Turquia construiu um muro na sua fronteira com a Síria «com a ajuda de financiamento da União Europeia» e «em Março de 2016 a UE e Ancara fecharam um acordo ao abrigo do qual os europeus pagariam 3 mil milhões de euros à Turquia se o país retivesse os refugiados no interior das suas fronteiras» (www.spiegel.de, 29.3.18). Já a Bielorússia leva com mais sanções.

Mas o assunto é sério. Multiplicam-se as provocações contra a Rússia. O CEMFA inglês, General Carter diz que «o perigo de guerra com a Rússia é hoje maior do que em qualquer momento da sua carreira» e «alerta os políticos que a beligerância dalgumas das suas políticas pode conduzir a uma situação onde a escalada conduza a um erro de cálculo» (RT, 13.11.21).




Mais artigos de: Opinião

Raridades

Dois meses passaram desde o anúncio do pacto militar entre os EUA, Reino Unido e Austrália para a região do Indo-Pacífico, conhecido por AUKUS, feito à revelia da UE e a que curiosamente não se juntaram nem a Nova Zelândia nem o Canadá. Nesse interim, enquanto a França remoía a traição de ser posta de lado no negócio,...

Onde fica a Constituição?

A «operação miríade», que envolve a alegada participação de militares portugueses em missão da ONU na República Centro Africana em tráficos ilegais e branqueamento de capitais é grave e deve ser esclarecida cabalmente. Está em causa a imagem, autoridade e prestígio das forças armadas portuguesas. Este está longe de ser...

O Expresso não engana

A manchete da última edição do Expresso é todo um tratado sobre como é que se procura transformar a opinião publicada na dita opinião pública. A principal notícia tem por título «Crise política favorece Chega e prejudica PCP» e baseia-se supostamente numa sondagem também divulgada neste semanário. Acontece que, apesar da...

A dívida para com a CP

Um dos temas que o PS tem trabalhado nos últimos dias é a ideia de que, por culpa do PCP e do seu chumbo do OE, a CP já não teria uma injecção de 1,8 mil milhões de euros que acabaria com a sua dívida histórica. Esta ideia assenta num conjunto de falsificações, marteladas ao longo dos anos pelos sucessivos governos, e...

Os salários, a pobreza e a política de direita

A epidemia e o aproveitamento que o capital fez dela, expôs ainda com mais clareza as fragilidades e desigualdades profundas que caracterizam o nosso país. Portugal está hoje marcado pelos baixos salários e reformas, por um desemprego estruturalmente elevado, pela precariedade, pela desregulação de horários, pelo aumento do custo de vida, nomeadamente na energia e nos combustíveis, na habitação e na alimentação.