Quando a piada se faz sozinha

Margarida Botelho

A capa da edição de fim-de-semana do Inevitável é um desses exemplos, em que a piada se faz sozinha.

Em grande destaque, com fotografia, a entrevista a António Saraiva, presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal. A citação é suficientemente inesperada para gerar o riso: «Muitos dos patrões é que são os defensores dos trabalhadores».

Mas o Inevitável não se fica por aqui. Uns centímetros abaixo, outro título: «CEO despede 900 pessoas via zoom», anunciando uma entrevista com uma das vítimas. Caso tenha escapado esta preciosa história aos leitores do Avante!, esclareça-se que se trata de um despedimento feito pelo administrador de uma empresa norte-americana, a imobiliária Better, em que informou centenas de trabalhadores numa reunião on-line do seu despedimento, aparentemente nos seguintes termos: «Se está nesta videochamada, faz parte do grupo azarado que está a ser demitido. O seu emprego termina aqui com efeito imediato».

Dificilmente viremos a saber se quem trabalhou a paginação do Inevitável fez de propósito, se não percebeu a contradição, se tem muito sentido de humor ou se quis aproveitar a oportunidade para denunciar o capitalismo.

Mas é nisso mesmo que resulta. Bem pode António Saraiva ensaiar pela milionésima vez a rábula da bondade infinita do capital e das empresas, que salva países, trabalhadores e famílias inteiras da miséria e da fome. Casos como o da Better, desmentem essa suposta generosidade intrínseca. É certo que nem todas as empresas têm comportamentos tão grotescos, mas a contradição entre os interesses do capital e os dos trabalhadores, entre capital e trabalho, são tão reais e inultrapassáveis que a frase de António Saraiva não aguenta sequer uns míseros centímetros sem ser desmentida. Nem no Inevitável.




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