Duas décadas de notas e moedas de euros - a realidade desmente a propaganda

João Ferreira (Membro da Comissão Política)

No primeiro dia de 2022 passarão 20 anos desde a entrada em circulação das notas e moedas de euros, momento em que a esmagadora maioria da população passou a ter um contacto mais directo com o euro.

O euro não foi feito para Portugal

A adesão de Portugal à moeda única dera-se, todavia, em 1999, quando deixámos, de facto, de ter uma moeda própria. Os escudos que durante três anos ainda trouxemos nas carteiras não representavam senão uma fração do euro, nele convertíveis a partir de uma taxa fixa, inalterável. Não foi preciso muito tempo para que a prática quotidiana viesse desmentir inapelavelmente as promessas que andaram a fazer ao povo português.

A realidade desfez a propaganda dos arautos da moeda única e do «pelotão da frente» - PS, PSD e CDS. Ficou a amarga confirmação dos alertas atempadamente feitos pelo PCP.

Prometeram a convergência com os países mais desenvolvidos da UE. A realidade, porém, trouxe-nos a divergência económica e social, que se acentua a cada nova crise.

Prometeram a melhoria dos salários e do poder de compra. Tendo a mesma moeda dos alemães, diziam os mais afoitos, passaríamos um dia a ter também os seus salários. A realidade, porém, trouxe-nos a degradação dos salários e do poder de compra. Em Portugal, o Governo PS impôs para 2022 um salário mínimo de 705 euros. Na Alemanha, o salário mínimo atingirá os 2000 euros. Em Portugal, o salário médio está pouco acima dos 1000 euros. A média da Zona Euro eleva-se acima dos 1900.

Os preços de bens e serviços essenciais, esses, diferem menos do que os salários. A prometida baixa inflação não evitou que o poder de compra fosse corroído por «actualizações» salariais quase sempre abaixo da inflação. É este o resultado da «moderação salarial» imposta pelo euro.

Prometeram mais investimento. A realidade, porém, trouxe-nos um brutal desinvestimento, desindustrialização, terciarização e financeirização da economia, desnacionalização de empresas estratégicas, uma explosão do endividamento externo. Foi com o euro que a banca (privada) se converteu num gigantesco sorvedouro de recursos públicos. Consolidou-se uma divisão do trabalho no espaço da UE desfavorável a Portugal. Os capitais, com a sua circulação lubrificada pelo euro, voaram para as economias de maior produtividade. Para os outros sobraram as migalhas do investimento e mesmo estas sob exigências de «domesticação» da mão-de-obra (que se quer barata e «flexível») e de chorudos benefícios à conta de recursos públicos. As restrições ao investimento público impostas pelo pacto de estabilidade e seus sucedâneos – governação económica, semestre europeu, tratado orçamental – provocaram o subfinanciamento crónico dos serviços públicos, impulsionaram a sua privatização e degradaram as funções sociais do Estado.

Prometeram crescimento económico, mais e melhor emprego. A realidade, porém, trouxe-nos estagnação económica, desemprego mais elevado, maior precariedade, emigração dos mais jovens.

O euro não foi feito para Portugal, para melhorar a capacidade produtiva nacional e os salários dos portugueses.

O euro foi feito à medida das necessidades e dos interesses da Alemanha e de algumas outras potências europeias, dos seus grupos económicos e financeiros, da sua vocação exportadora.

O euro promoveu uma redistribuição do rendimento nacional a favor do capital, em desfavor do trabalho.

Os constrangimentos associados ao euro não desapareceram com a chamada «reforma da Zona Euro». De certa forma, agravaram-se. Estão hoje presentes nos principais problemas que os trabalhadores, o povo e o País enfrentam: nos baixos salários e pensões, na insuficiente protecção social, na degradação dos serviços públicos, na emigração da força de trabalho, na debilitação do aparelho produtivo nacional e na sua fixação em torno de um modelo assente numa fraca especialização e em baixos salários.

A libertação do euro e a recuperação da soberania monetária é condição e eixo estruturante de uma política alternativa, patriótica e de esquerda.




Mais artigos de: Opinião

Cartazes

É inquestionável o papel determinante que a comunicação, nas suas diferentes expressões, desempenha em política. Para esclarecer dúvidas, clarificar posições, conquistar apoios ou mobilizar (para o voto como para compromissos mais profundos), é essencial comunicare cada um o faz com os meios que tiver à sua disposição....

Facebook em «META-branqueamento»

Está em lançamento a imagem do META, nome branqueado do mega-oligopólio de informação-comunicação, das chamadas «redes sociais», Facebook, WhatsApp, Instagram, que segundo um vice de Zuckerberg serve 3,6 mil milhões de utilizadores/fornecedores de «matéria-prima» - triliões de dados, tratados numa rede de milhares de...

O défice demográfico e os salários que não aumentam

Os dados (ainda parciais) dos Censos 2021 recentemente divulgados sobre a evolução demográfica do País confirmam muitas das preocupações e alertas do PCP. Portugal é hoje um dos países mais envelhecidos do mundo (com 23,4% da população acima dos 65 anos), pior só a Itália e o Japão. O valor do índice de envelhecimento...

Não queiram meter-se em comparações

Passou no dia 17 o centenário de Nadezhda Vasilyevna Popova. Não será um nome conhecido mas merece ser lembrado, e lembrá-lo justifica elucidativos paralelos. Nadesha Popova foi comandante de esquadrão do 46.º Regimento de Bombardeiros Nocturnos da Força Aérea soviética durante a Grande Guerra Patriótica. Os nazis...

Para onde vai a Alemanha?

Na União Europeia do grande capital, em que a Alemanha desempenha papel preponderante, a formação de um novo governo após 16 anos da «grande coligação» formada pela CDU/CSU (direita) e pelo SPD (social-democrata), suscita natural expectativa. Perante a complexa e perigosa situação na Europa e no mundo, como vai...